por João César das Neves
DN | 28.01.2016
"Portugal é um país de esquerda. Os cidadãos, sempre rebeldes e desconfiados da autoridade, gostam de um Estado protector e interveniente. "Liberal" é insulto comum e a concorrência costuma ser considerada injusta e desumana, enquanto se promovem subsídios, apoios e regulamentos. Não há dúvida de que a ideologia nacional pende claramente para o socialismo.
Este facto levanta questões interessantes. Sobretudo porque, pelo menos desde 1834, são as forças à direita quem mais têm governado o país. Durante os 77 anos do chamado liberalismo, os partidos cartista e regenerador estiveram no poder 56% do tempo. Na república, os "48 anos de fascismo" dominam esmagadoramente mas, mesmo considerando apenas o período constitucional desde 1976, o PSD esteve no poder 20% mais tempo do que o PS. Como explicar o paradoxo?
O primeiro aspecto é doutrinal. Por cá a direita não segue a linha típica dessa orientação, abraçando muitas ideias habituais à esquerda. Existem forças e ideólogos assumidamente de direita, mas nunca conseguiram real influência. Entretanto, os governantes da área seguiram rumos políticos muito variados. Salazar foi corporativo e desde 1974 domina a social-democracia. Antes, líderes como Costa Cabral e João Franco, mas também Fontes Pereira de Melo e Hintze Ribeiro, eram mais pragmáticos do que doutrinários. Aliás, vários deles, como Cabral, Brito Camacho ou Durão Barroso, tinham originalmente militado à esquerda.
Apesar das orientações, normalmente estatistas e intervencionistas, esses líderes têm em comum a característica de serem desprezados, ou pelo menos menorizados, pela intelectualidade nacional. Fontes, Salazar ou Cavaco são personalidades singulares, estranhas ao padrão lusitano. As elites evitam-nos, quando não os hostilizam. Nos vários duelos políticos da nossa história, a opinião ilustrada esteve em geral contra a direita. Pelo contrário, são as personalidades do outro lado que costumam ficar bem na fotografia.
Os heróis da nossa democracia são Passos Manuel e Almeida Garrett, Anselmo Braancamp e Luciano de Castro, Machado Santos, Humberto Delgado, Mário Soares e António Guterres. Até aqueles líderes que deixaram um desastre em herança, como Afonso Costa, Vasco Gonçalves ou José Sócrates, mantêm muitos apoiantes e uma imagem histórica pelo menos ambígua. Ao contrário, os dirigentes da direita que conseguiram períodos governativos soberbos, como Salazar ou Cavaco, são precisamente os mais atacados pelos media e historiadores. Esta insólita realidade constitui mais uma prova de que o país é socialista.
Então por que razão a direita governou tanto tempo? A resposta está numa terceira característica quase comum a todos esses líderes: em geral chegam ao poder em situações de grave crise nacional, como salvadores da pátria. Esse traço é evidente nos casos de Costa Cabral, João Franco, Pimenta de Castro, Sidónio Pais, Salazar e Sá Carneiro, mas também se aplica a Cavaco Silva, Durão Barroso e Passos Coelho. A direita costuma ser chamada em momentos dramáticos para equilibrar desastres que outros causaram. O único caso destes à esquerda é o de Soares, que por duas vezes teve de chamar o FMI; primeiro por culpa da extrema-esquerda, depois por causa da direita, numa das poucas crises que gerou. Curiosamente, os dois líderes desse lado que, não tendo tomado poder após colapso, geraram um são precisamente os mais conceituados junto da intelectualidade: António José de Almeida e Francisco Pinto Balsemão.
Quer isto dizer que a direita governa melhor do que a esquerda? Os consulados de Fontes, Salazar e Cavaco, coincidentes com os períodos de maior progresso e florescimento nacional dos últimos dois séculos, parecem indicá-lo. Na esquerda o único exemplo vagamente comparável é o de Guterres, mas com um crescimento alimentado por dívida, que gerou um desequilíbrio crescente. Pior, esse sucesso vem manchado pelos tremendos desastres de Passos Manuel, Afonso Costa e Vasco Gonçalves, precisamente os piores dos últimos séculos. O saldo dificilmente podia ser mais evidente, paralelo à comparação entre as Alemanhas ocidental e oriental ou as Coreias do Norte e do Sul.
No entanto, apesar de serem verdades históricas indiscutíveis, todas estas afirmações são difíceis de engolir, mesmo no Portugal livre e democrático contemporâneo. A imagem que temos é de paridade entre as duas linhas, senão mesmo de superioridade da esquerda. A verdade é que, se a direita por cá é má, a esquerda costuma ser bastante pior. O que é terrível num país socialista."
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