23 abril 2010

Ser branco em África

Não sei quem escreveu este poema.
Encontrei-o no panfleto que recebi na exposição de fotografia "A Ponte", da ONG We and You.

Grato pela companhia, ao Sr. Mar me Quer!
tá muita bom!

"Branco em África é dinheiro.
Branco em África é chamado mucunha, até por crianças de dois anos.
Branco em África é observado.
Branco em África é assediado por caça-turistas, que nos querem vender tudo.
Branco em África recebe sorrisos e acenos.
Branco em África é correspondido quando sorri e acena.
Branco em África não conquista confiança.
Branco em África é confundido com outros brancos.
Branco em África percebe a miséria deste Continente.
Branco em África não percebe de onde vem tanta alegria.
Branco em África conhece o desesperar, ter remorsos, querer desistir e respirar fundo para voltar a ganhar esperança.
Branco em África é frágil e mariquinhas.
Branco em África tem os pés fofos, medo de queimar as mãos no fogo, medo do sol e dos mosquitos.
Branco em África não sabe dançar.
Branco em África não gosta de música.
Branco em África tem força, destreza ou agilidade.
Branco em África não tem jeito para trabalhos manuais.
Branco em África é chamado de boss e patrão.
Branco em África põe-se a imaginar como seria a nossa vida sem estímulos e educação.
Branco em África percebe o que quer dizer esforço físico.
Branco em África é bem-vindo.
Branco em África dá valor à àgua.
Branco em África tem que perder o medo do escuro.
Branco em África dá valor infinito à electricidade.
Branco em África aprender a ter paciência.
Branco em África é motivo de chacota.
Branco em África é alvo de admiração.
Branco em África conquista gargalhadas sem ter dito uma piada.
Branco em África não pode usar a ironia.
Branco em África tem medo que o racismo nunca morra.
Branco em África percebe a efemeridade, a inutilidade e a arrogância do conforto.
Branco em África não pode - e não quer - ajudar toda a gente.
Branco em África recebe pedidos de ajuda por parte de toda a gente.

Ser branco em África é ganhar juízo e dar valor à vida que se tem em casa, e perceber que não há razões para não ser feliz..."

enquanto o comboio passa...



Two Weeks - Grizzly Bear

enquanto o comboio passa...



Ready, Able - Grizzly Bear

22 abril 2010


"Quando nós não nos comprometemos com a renovação do mundo, então sonhámos um lindo sonho!"
Pe. José Kentenich


Mudança

enquanto o comboio passa,
pare, escute e olhe.
sinta, veja e oiça.
ganhe tempo!
Esta era a ideia por detrás da passagem de nível que hoje é encerrada.
A linha foi desactivada e já não passam mais comboios. Podem ver a última carruagem aqui.
Inspirado por quem gosta de acordar bem disposto, a passagem de nível vai passar a apeadeiro. O cantinho passa a rúbrica e enquanto o comboio passa, vão poder continuar a parar, sentir e ouvir, aqui, neste tá muita bom de coisas minhas e dos outros, grandes ou pequenas.
Aproveitem os descansos da corrida...

Poder Supremo...

DESTAK 21 04 2010 20.55H
João César das Neves naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt


"Há uns dias um jornalista escrevia sobre os casos de pedofilia com o título: «A maior crise da Igreja Católica dos últimos 100 anos» (António Marujo, Público, 27 de Março). Mas a Igreja Católica nos últimos cem anos sofreu as terríveis perseguições de ateus e maçons no México, Portugal, etc. Seguiram-se os morticínios nazi, soviético, maoísta.

A Igreja Católica nos últimos cem anos foi eliminada fisicamente em múltiplos países e teve mais mártires que na acumulação dos anteriores 1900 anos. Um Papa foi baleado. Além disso existiram enormes crises teológicas, desde a polémica do modernismo até às terríveis tempestades do pós-concílio, o cisma Lefebvre, teologia da libertação, perda de vocações.

Será a crise de hoje maior que tudo isto? Os crimes agora referidos são sem dúvida muito graves, mas a Igreja condenou-os inequívoca e repetidamente. Para mais estão centrados num punhado de clérigos, vários já falecidos. Enquanto a Justiça trata dos casos, a vida real de fiéis e instituições eclesiais continua. Que é que querem mais?

Juízo tão feroz só esse entende de uma forma. É que desta vez a Igreja enfrenta, não Hitler, Estaline ou a heresia, mas o poder supremo dos jornais. Os jornalistas consideram-se a força mais devastadora de todos os tempos. Depois de Watergate, a imprensa sente-se capaz de assaltar o próprio Altíssimo.

Ou pelo menos o seu Vigário na Terra. Foi isso que o Miguel Sousa Tavares afirmou no último Expresso sobre o Papa: «mais duas ou três revelações e ele desaba». Diz o oráculo do poder supremo."

06 abril 2010

Haja HONESTIDADE e OBJECTIVIDADE!!!

Por José Manuel Fernandes
in Público, 2010.04.02

Bento XVI é parte da solução, e não parte do problema, na crise que os casos de pedofilia abriram na Igreja Católica

Não sou crente. Educado na fé católica, passei pelo ateísmo militante e hoje defino-me como agnóstico. Talvez não devesse, por isso, pôr-me a discutir os chamados "escândalos de pedofilia" na Igreja Católica. Até porque não sei se, como escreveu António Marujo neste jornal - no texto mais informado publicado sobre o tema em jornais portugueses -, estamos ou não perante "A maior crise da Igreja Católica dos últimos 100 anos".

Tendo porém a concordar com um outro agnóstico, Marcello Pera, filósofo e membro do Senado italiano, que escreveu no Corriere della Sera que se, sob o comunismo e o nazismo, "a destruição da religião comportou a destruição da razão", a guerra hoje aberta visa de novo a destruição da religião e isso "não significará o triunfo da razão laica, mas uma nova barbárie". Por isso acho importante contrariar muitas das ideias feitas que têm marcado um debate inquinado por muita informação errada ou manipulada.

Vale por isso a pena começar por tentar saber se o problema da pedofilia e dos abusos sexuais - um problema cuja gravidade ninguém contesta, ocorram num colégio católico, na Casa Pia ou na residência de um embaixador - tem uma incidência especial em instituições da Igreja Católica. Os dados disponíveis não indicam que tenha: de acordo com os dados recolhidos por Thomas Plante, professor nas universidades de Stanford e Santa Clara, a ocorrência de relações sexuais com menores de 18 anos entre o clero do sexo masculino é, em proporção, metade da registada entre os homens adultos. É mesmo assim um crime imenso, pois não deveria existir um só caso, mas permite perceber que o problema não só não é mais frequente nas instituições católicas, como até é menos comum. Tem é muito mais visibilidade ao atingir instituições católicas.

Uma segunda questão muito discutida é a de saber se existe uma relação entre o celibato e a ocorrência de abusos sexuais. Também aqui não só a evidência é a contrária - a esmagadora maioria dos abusos é praticada por familiares próximos das vítimas - como o tema do celibato é, antes do mais, um tema da Igreja e de quem o escolhe. Não existiu sempre como norma na Igreja de Roma e hoje esta aceita excepções (no clero do Oriente e entre os anglicanos convertidos). Pode ser que a norma mude um dia, mas provavelmente ninguém melhor do que o actual Papa para avaliar se esse momento é chegado - até porque talvez ninguém, no seio da Igreja Católica, tenha dedicado tanta atenção ao tema dos abusos sexuais e feito mudar tanta coisa como Bento XVI.

Se algo choca na forma como têm vindo a ser noticiados estes "escândalos" é o modo como, incluindo no New York Times, se tem procurado atingir o Papa. Não tenho espaço, nem é relevante para esta discussão, para explicar as múltiplas deturpações e/ou omissões que têm permitido dirigir as setas das críticas contra Bento XVI, mas não posso deixar de recordar o que ele, primeiro como cardeal Ratzinger e prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, depois como sucessor de João Paulo II, já fez neste domínio.

Até ao final do século XX o Vaticano não tinha qualquer responsabilidade no julgamento e punição dos padres acusados de abusos sexuais (e não apenas de pedofilia). A partir de 2001, por influência de Ratzinger, o Papa João Paulo II assinou um decreto - Motu proprio Sacramentorum Sanctitatis Tutela - de acordo com o qual todos os casos detectados passaram a ter de ser comunicados à Congregação para a Doutrina da Fé. Ratzinger enfrentou então muitas oposições, pois passou a tratar de forma muito mais expedita casos que, de acordo com instruções datadas de 1962, exigiam processos muito morosos. A nova política da Congregação para a Doutrina da Fé passou a ser a de considerar que era mais importante agir rapidamente do que preservar os formalismos legais da Igreja, o que lhe permitiu encerrar administrativamente 60 por cento dos casos e adoptar uma linha de "tolerância zero".

Depois, mal foi eleito Papa, Bento XVI continuou a agir com rapidez e, entre as suas primeiras decisões, há que assinalar a tomada de medidas disciplinares contra dois altos responsáveis que, há décadas, as conseguiam iludir por terem "protectores" nas altas esferas do Vaticano. A seguir escolheu os Estados Unidos - um dos países onde os casos de abusos cometidos por padres haviam atingido maiores proporções - para uma das suas primeiras deslocações ao estrangeiro e, aí (tal como, depois, na Austrália), tornou-se no primeiro chefe da Igreja de Roma a receber pessoalmente vítimas de abusos sexuais. Nessa visita não evitou o tema e referiu-se-lhe cinco vezes nas suas diferentes orações e discursos.

Agora, na carta que escreveu aos cristãos irlandeses, não só não se limitou a pedir perdão, como definiu claramente o comportamento dos abusadores como "um crime" e não apenas como "um pecado", ao contrário do que alguns têm escrito por Portugal. Ao aceitar a resignação do máximo responsável pela Igreja da Irlanda também deu outro importante sinal: a dureza com que o antigo responsável pela Congregação para a Doutrina da Fé passou a tratar os abusadores tem agora correspondência na dureza com que o Papa trata a hierarquia que não soube tratar do problema e pôr cobro aos crimes.

De facto - e este aspecto é muito importante - a ocorrência destes casos de abusos sexuais obriga à tomada de medidas pelos diferentes episcopados. Quando isso acontece, a situação muda radicalmente. Nos Estados Unidos, país onde primeiro se conheceu a dimensão do problema, a Conferência de Dallas de 2002 adoptou uma "Carta para a Protecção de Menores de Abuso Sexual" que levaria à expulsão de 700 padres. No Reino Unido, na sequência do Relatório Nolan (2001), acabou-se de vez com a prática de tratar estes assuntos apenas no interior da Igreja, passando a ser obrigatório dar deles conta às autoridades judiciais. A partir de então, como notava esta semana, no The Times, William Rees-Mogg, a Igreja de Inglaterra e de Gales "optou pela reforma, pela abertura e pela perseguição dos abusadores em vez de persistir no segredo, na ocultação e na transferência de paróquia dos incriminados".

Bento XVI, que não despertou para este problema nas últimas semanas, não deverá precipitar decisões por causa desta polémica. No passado domingo, durante as cerimónias do Domingo de Ramos, pediu aos crentes para não se deixarem intimidar pelos "murmúrios da opinião dominante", e é natural que o tenha feito: se a Igreja tivesse deixado que a sua vida bimilenar fosse guiada pelo sentido volátil dos ventos há muito que teria desaparecido.

Ao mesmo tempo, como assinalava John L. Allen, jornalista do National Catholic Reporter, em coluna de opinião no New York Times, "para todos os que conhecem a experiência recente do Vaticano nesta matéria, Bento XVI não é parte do problema, antes poderá ser boa parte da solução".

Uma demonstração disso mesmo pode ser encontrada na sua primeira encíclica, Deus Caritas Est, de 25 de Dezembro de 2005, ano em que foi eleito. Boa parte dela ocupa-se da reconciliação, digamos assim, entre as concepções de "eros", o termo grego para êxtase sexual, e de "ágape", a palavra que o cristianismo adoptou para designar o amor entre homem e mulher. Se, como referia António Marujo na sua análise, o teólogo Hans Küng considera que existe uma "relação crispada" entre catolicismo e sexualidade, essa encíclica, ao recuperar o valor do "eros", mostra que Bento XVI conhece o mundo que pisa.

Por isso eu, que nem sou crente, fui informar-me sobre os casos e sobre a doutrina e escrevi este texto que, nos dias inflamados que correm, se arrisca a atrair muita pedrada. Ela que venha.