31 janeiro 2011

Livros em 2010


Exemplo de Vida.

"Um santo triste, é um triste santo!"*
Amaro da Costa a Freitas do Amaral

in "Adelino Amaro da Costa - História de uma vida interrompida"; Maria do Rosário Carneiro e Célia Pedroso

*a primeira pessoa a cunhar esta frase terá sido S.Francisco de Sales.

28 janeiro 2011

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global-worldwide-online-connectivity-schizophrenia
"G-W-O-C-S"
are we generating a new breed of "gwokees"
oblivious to offline silence
and people right next to them?

Alguém acendeu um rastilho no Norte de África...?


17 Dez-Tunísia :: 5 Jan-Argélia :: 12 Jun-Marrocos :: 14 Jan-Jordânia :: 15 Jan-Líbia :: 16 Jan-Iémen :: 17 Jan-Mauritânia :: 17 Jan-Omã :: 18 Jan-Egipto :: 21 Jan-Arábia Saudita ::  25 Jan-Sudão

...... - Síria?

26 janeiro 2011

O nó cego.

António Barreto
Público, 24.01.2011

O Presidente eleito não vai ter surpresas. Já sabe que país tem e o estado em que se encontra. O Governo e os partidos também não. Sabem o que têm e o que fizeram. E sobretudo o que adiaram. Surpresas, a breve prazo, talvez as tenham os cidadãos.

O nó cego na vida política portuguesa e o impasse na actividade económica e na situação financeira exigem acção. Depois de cinco anos de adiamento e de agravamento, após quase dois anos de suspensão e azedume, já não é mais possível fazer de conta, protestar de modo impotente ou olhar para o lado. O que se segue a esta eleição de calendário não é previsível. Grande remodelação? Coligação tardia? Demissão do Governo? Dissolução do Parlamento? Iniciativa presidencial? Novas eleições? Novos pacotes de austeridade? Chegada do FMI e do Fundo Europeu? Nova intervenção política da Alemanha e da União Europeia? Tudo pode acontecer. Os dirigentes políticos nacionais já quase não são mestres da sua decisão. As grandes instituições nacionais parecem cercadas e incapazes. Tal como estiveram desde as últimas eleições legislativas, há quase ano e meio, à espera de umas presidenciais ineficazes.

Ignorância e covardia

A falta de previsibilidade é má conselheira. Pior: revela a miopia dos responsáveis políticos, reféns de interesses particulares e de instâncias internacionais. Tudo o que podia ter sido feito há anos (coligação de governo, aliança parlamentar, plano nacional, programa de emergência, recurso financeiro internacional, etc.) foi adiado de modo incompreensível, por causa da incompetência, da ignorância, da covardia e da cupidez dos agentes políticos. Tudo terá de ser feito em piores condições e em mais terríveis circunstâncias. Há três ou quatro décadas que a história do nosso país é uma frustre sucessão de adiamentos. O fim da guerra, a democracia, a liquidação das "conquistas" de 1975, a abertura da economia, a revisão da Constituição, a reforma da Administração Pública e da justiça: eis, por defeito, uma breve lista do que fizemos tarde e mal, quando podíamos ter feito cedo e bem.

No rescaldo das eleições presidenciais de 1996, detectavam-se facilmente os problemas políticos mais importantes para os quais uma resolução era necessária e um esforço urgente: a justiça e a corrupção. Nestes cinco anos, essas dificuldades agravaram-se. Justiça deficiente e corrupção alimentam-se reciprocamente e combinam à perfeição com um sistema de partidos e de governo que as tornou indispensáveis à sua manutenção. A Administração Pública submeteu-se ainda mais à voracidade partidária. Alguns interesses económicos, os que mais dependem do Estado e os que menos escrúpulos têm, souberam capturar as instituições públicas e a decisão governamental. Certos interesses profissionais e corporativos conseguiram também, por outras vias, fazer o Estado refém e organizar, a seu proveito, os grandes serviços públicos e sociais. Assim, o Estado perdeu a sua liberdade, a sua isenção e a sua capacidade técnica e científica. É o administrador dos interesses de algumas corporações e de alguns grupos económicos. Por esse serviço, o Estado cobra, para os partidos, uma gabela ou um tributo. A corrupção, em Portugal, não é apenas o pagamento ilegal feito para obter vantagens públicas. É um sistema, frequentemente legal, de cruzamento de interesses e favores, de benefícios e vantagens, ao qual ninguém, nos superiores órgãos de poder político, parece querer realmente colocar um travão. Fora dos órgãos de poder político, só a justiça poderia ser, em teoria, um freio e um antídoto a este sistema. Acontece que a justiça se transformou também em parte integrante deste sistema. A sua ineficácia ainda é o menor dos males. Bem pior, na verdade, são os protagonistas e os principais activistas do sistema judiciário (conselhos superiores e sindicatos) que pretendem agora, explicitamente, uma maior fatia dos proventos económicos e do poder político.

Democracia em perigo

O Governo, refém interna e externamente, administra a democracia como quem preside ao saque do Estado: na economia, satisfaz, para além das exigências do país, os interesses económicos; na sociedade, distribui, mesmo sem os recursos necessários, a protecção social. Enquanto houve crescimento económico, rendimentos e crédito externo, o Governo e os seus partidos alimentaram a democracia com aquela distribuição, compatibilizando assim as mais absurdas, socialistas e sectárias políticas sociais de saúde, educação e segurança social, com as mais predadoras e vorazes iniciativas capitalistas. Este mundo improvável acabou. Os recursos financeiros esgotaram. O crescimento económico estagnou. O crédito evaporou-se. Pela primeira vez, em trinta anos, a democracia portuguesa está em perigo, porque perdeu os seus instrumentos favoritos. A nossa democracia ligou-se perigosamente aos favores concedidos e à demagogia providencial. Sem esquecer o facto de que a confiança nas instituições políticas, públicas e judiciárias, essencial à liberdade, estiola.O clima é mais importante do que o raio de sol ou o aguaceiro de passagem. Criar riqueza e favorecer o investimento é essencial, mas tal não se fará sem um novo enquadramento geral. Decretos e truques de cartola nada resolvem, sem a confiança dos cidadãos e dos agentes económicos. Sem certeza e estabilidade, as intenções e as oportunidades são miragens. Sem lealdade legislativa, ninguém, cidadãos ou empresas, pode planear as suas actividades. Uma boa estatística, que inebria os medíocres, será sempre contrariada pela seguinte, bem mais cruel.

Portugal parece não estar dotado das instituições políticas, dos órgãos de poder, de partidos políticos e de dirigentes à altura de resolver alguns dos problemas essenciais do presente. O processo político português está de tal modo feito que tudo contraria os esforços políticos para reordenar a vida pública e encarar de modo duradouro as necessidades de emergência. As soluções encontram-se na relação entre sociedade e responsáveis políticos, não mais em golpes de sorte partidários, em personalidades impolutas ou em arranjos de gabinete. Com perícia e responsabilidade, as soluções serão graduais e pacíficas, mas rápidas. Sem o que, bruscamente, nada de bom resultará. Impõe-se uma paz partidária, nem que seja apenas entre alguns partidos. E é necessária uma trégua social honesta e equilibrada. Sem abdicar da sua autonomia, patrões e sindicatos precisam de encontrar um ponto de entendimento sem intervenção dos partidos.

Portugal em 2016

As peripécias, os acidentes de percurso, o carácter de algumas individualidades, a futilidade de tantos comportamentos políticos e a inutilidade das declarações públicas continuarão a ilustrar o roteiro da nossa jornada futura. Mas é possível detectar, indelével, sob a espuma do efémero, o percurso principal.

Dentro de cinco ou dez anos, Portugal poderá ser governado de modo diferente. Com mais ou menos democracia. Em completa dependência do estrangeiro ou com uma relativa autonomia. Com graus de corrupção pelo menos controlados ou na submissão a uma partidocracia insaciável. Com novos partidos, novo sistema de governo e um regime diferente. O governo de maioria poderá ser a regra, mas a deriva minoritária poderá prosseguir. O regime parlamentar ou presidencial poderá substituir este arremedo que nos rege, fruto da invenção delirante de juristas medrosos e académicos sem visão da realidade. As eleições poderão ser nominais, mas a ditadura dos partidos poderá também manter-se no alheamento do soberano e dos direitos individuais. Os dilemas são estes. Inelutáveis. Mas as escolhas são nossas. Pelo menos em parte.

Sociólogo

20 janeiro 2011

Os bons velhos tempos

Helena Matos
in Público 2011.01.20

Como é óbvio, os portugueses não viviam melhor há 40 anos. Há 40 anos os portugueses viviam com o que tinham.

Um grupo de empresários resolveu patrocinar um projecto designado Farol do qual fazia parte um inquérito aos portugueses. O resultado do inquérito foi aparentemente inesperado: 46 por cento dos inquiridos consideraram o actual cenário económico e social pior, ou muito pior, do que aquele que se registava há 40 anos, ou seja, antes do 25 de Abril; 74 por cento acha que o Estado deve contribuir sempre para a competitividade e o desenvolvimento de Portugal; e mais de metade, 54 por cento, diz que não estaria disposto a lançar um negócio próprio. Ou seja, de repente estava diante de nós um país que, tal como há 40 anos, parece continuar a não dar valor à liberdade política, que acha que o Estado deve ter um papel activo na economia e em que, para cúmulo, até o passar a ser patrão de si mesmo deixou de ser, como foi há 40 anos, um sonho de ascensão social que levou milhares de portugueses dotados de poucas habilitações e muita vontade de romper a pobreza familiar a erguerem empresas por todo o país e nos locais pa- ra onde emigraram.

Uma vaga sensação de incómodo acompanhou estes resultados. Quase como aquele remorso que se instala nos jornais sempre que se constata que faleceu um dos capitães que nos idos de 74 deu a voz pelo MFA e que com o tempo foi ficando esquecido. Mas dificilmente os resultados podiam ser outros, pois a democracia assentou o seu discurso fundacional não em como poderíamos ser um país mais rico, mas sim no combate à desigualdade e aos ricos, desígnio que pode satisfazer ímpetos justiceiros e alguma inveja, mas que nunca fez dos pobres menos pobres. Todo o esforço da democracia foi concentrado não em promover a livre iniciativa, mas sim em fazer dos portugueses utentes de serviços públicos que legitimavam o seu crescimento através desse combate à desigualdade. Consequentemente, o Diário da República transformou-se num novo Génesis de algo a que chamou justiça social: decretos, leis e portarias construíram um edifício legal que durante muito tempo nos disseram ser dos mais avançados do mundo, em que tudo e mais alguma coisa se pro- metia e garantia. Era como se bastasse escrever para ter. Não bastava, como agora se vê.

Esse discurso fundador do regime pós-74 desenvolveu-se em duas linhas preferenciais de argumentos: a demonização do passado e a promessa de crescentes benesses materiais. Naturalmente, quando estas últimas falham, o olhar sobre o passado altera-se. E assim o imenso período geralmente designado como "antes do 25 de Abril", sobretudo o dos governos de Marcelo Caetano, está para os portugueses como a Natureza para aqueles desiludidos da abundância que um dia trocam a civilização por aquilo que eles acham ter sido a saudável vida doutros tempos e que acabam a ter de ser resgatados mais mortos do que vivos dumas situações de risco em que ingenuamente caem.

Como é óbvio, os portugueses não viviam melhor há 40 anos. Há 40 anos os portugueses viviam com o que tinham. E que era geralmente pouco, porque pouco se tinha e também porque mesmo nos meios onde o dinheiro abundava a regra de vida era austera. Há 40 anos os portugueses sabiam que viviam um pouco melhor do que a geração dos seus pais e tinham como inquestionável que os seus filhos e netos viveriam melhor do que eles. Há 40 anos os por- tugueses achavam que "o Marcelo" dava reformas, escolas, estradas e criticavam-no por não dar mais. Como se o dinheiro desse dito "dar" não saísse do bolso dos portugueses.

Quarenta anos depois, os portugueses mantêm viva a mesma separação entre o dinheiro dos seus impostos e aquilo que os governantes decidem. Em alguns casos mantêm até uma linguagem igual àquela que se usava há 40 anos - ainda esta semana uma secção local de um partido, no caso do PS, mas podia ser outro qualquer, distribuiu um folheto onde se congratula porque uma autarquia por si presidida "presenteou" uma determinada freguesia com uma biblioteca. "Presenteou"? Há 40 anos não se escreveria doutro modo!

Os governos dão e os povos acham que eles podem dar mais. E ameaça-se com contestação porque os governos estão a tirar o que tinham dado. É neste logro do dar e do tirar que temos passado as últimas décadas. Foi necessário chegar-se a 2010 e à respectiva crise para que se estabelecesse uma relação entre a coluna do deve e a coluna do haver na nossa concepção do Estado. Mas trata-se ainda duma relação ténue e sobretudo coluna alguma relaciona por enquanto as decisões de cada um e a situação do país. E contudo essa relação tem de ser estabelecida, pois, ao contrário do que sucedia há 40 anos, os portugueses têm hoje acesso a informação mais do que suficiente para terem consciência de que usufruem de um padrão de vida muito superior ao daqueles que os antecederam mas que sabem estar muito acima das suas posses reais. Sabem também que os seus filhos irão viver pior, quanto mais não seja porque vão ter de pagar por largos anos aquilo de que os pais usufruíram. Os filhos e os netos de quem teve emprego blindado para toda a vida, mesmo que não trabalhasse nada, são agora eternos trabalhadores a recibos verdes, sem direito a subsídio de desemprego e, para cúmulo, obrigados a descontar para uma segurança social cujos recursos não são suficientes para cobrir todo o pacote de garantismos que se consideraram inerentes à democracia.

Desta traição geracional não é apenas responsável quem nos governou e governa nos últimos 40 anos, mas todo um povo que se desresponsabilizou na ditadura e na democracia de cada vez que fez de conta que acreditava que os governantes davam e que achou que aquilo a que chamavam os seus direitos seria pago por quem calhasse, quando calhasse e na forma que calhasse. Mas as facturas, sobretudo as dos pobres, caem sempre na respectiva caixa do correio. E quando o destinatário já não reside lá fica ao cuidado dos seus filhos.

Os bons velhos tempos nunca existiram. Tal como nunca existiu o bom jornalismo de outrora, que, na verdade, se traduzia nuns textos presunçosos e dogmáticos. Tal como nunca existiram as pessoas cheias de saúde do antigamente, que, na realidade, apenas tinham muita saúde porque morriam cedo. O que existe é o tempo que nos coube e em que, como de costume, preferimos efabular sobre o passado a interrogarmo-nos sobre que presente estamos a construir. Ensaísta

19 janeiro 2011

Um cê a mais

Texto de Manuel Halpern.

"Quando eu escrevo a palavra ação, por magia ou pirraça, o computador retira automaticamente o c na pretensão de me ensinar a nova grafia. De forma que, aos poucos, sem precisar de ajuda, eu próprio vou tirando as consoantes que, ao que parece, estavam a mais na língua portuguesa. Custa-me despedir-me daquelas letras que tanto fizeram por mim. São muitos anos de convívio. Lembro-me da forma discreta e silenciosa como todos estes cês e pês me acompanharam em tantos textos e livros desde a infância. Na primária, por vezes gritavam ofendidos na caneta vermelha da professora: não te esqueças de mim! Com o tempo, fui-me habituando à sua existência muda, como quem diz, sei que não falas, mas ainda bem que estás aí. E agora as palavras já nem parecem as mesmas. O que é ser proativo? Custa-me admitir que, de um dia para o outro, passei a trabalhar numa redação, que há espetadores nos espetáculos e alguns também nos frangos, que os atores atuam e que, ao segundo ato, eu ato os meus sapatos.

Depois há os intrusos, sobretudo o erre, que tornou algumas palavras arrevesadas e arranhadas, como neorrealismo ou autorretrato. Caíram hifenes e entraram erres que andavam errantes. É uma união de facto, para não errar tenho a obrigação de os acolher como se fossem família. Em 'há de' há um divórcio, não vale a pena criar uma linha entre eles, porque já não se entendem. Em veem e leem, por uma questão de fraternidade, os és passaram a ser gémeos, nenhum usa chapéu. E os meses perderam importância e dignidade, não havia motivo para terem privilégios, janeiro, fevereiro, março são tão importantes como peixe, flor, avião. Não sei se estou a ser suscetível, mas sem p algumas palavras são uma autêntica deceção, mas por outro lado é ótimo que já não tenham.

As palavras transformam-nos. Como um menino que muda de escola, sei que vou ter saudades, mas é tempo de crescer e encontrar novos amigos. Sei que tudo vai correr bem, espero que a ausência do cê não me faça perder a direção, nem me fracione, nem quero tropeçar em algum objeto abjeto. Porque, verdade seja dita, hoje em dia, não se pode ser atual nem atuante com um cê a atrapalhar."


Este blogue partilha da saudade nostálgica que o autor exprime mas, continua a achar que se pode ser actuante e actual com um "cê" e que o "cê", companheiro de corridas e caminhadas, não atrapalha coisa nenhuma...

17 janeiro 2011

O Ben já não manda Ali

O lugar ficou vago e quem o ocupou foi o ex-primeiro ministro.
Por enquanto anda tudo mais interessado em partir a loiça toda.
E quando a poeira assentar?

Um Gaddafi on steroids, revisto e radicalizado?
Uma democria constitucional e aberta?
Pela pinta não parece um fundamentalista guerreiro da jihad.
Se der para escolher, já agora venha a segunda que terroristas no terraço tunisino com vista para a Europa não dava jeito nenhum...! Anda aí um défice e tal. Certos arranha-céus que era giro manter...

Não seria a primeira vez que levávamos com um furacão tunisino! Lembram-se do Aníbal?! Não era lá muito fixe ter de ir rebentar com outra Cartago...

14 janeiro 2011

Strawberry Swing


Coldplay

enquanto o comboio passa,
pare, escute e olhe.
sinta, veja e oiça.
ganhe tempo!

tá muita bom!

Última Ceia.


" [...] Apesar dos mimos, raros naquela comunidade pobre - duas garrafas de vinho, um queijo e O Lago dos Cisnes como música de fundo - o último jantar lembra, de forma pungente, a Última Ceia. Sorrisos, risos e depois lágrimas num tempo de vésperas."

sobre o filme Dos Homens e dos Deuses
por Maria José Nogueira Pinto in DN 2011-01-13

12 janeiro 2011

God damn right it's a beautiful day

Mr. E's Beautiful Blues

esperar menos. fazer mais.

ser de todos
coisa nenhuma
coisa de si
não tem nem uma
sonho de paz
depois de mim
onde brilha
a luz assim?
aqui dentro
ou lá depois
esquiços vivos
comer de bois
ninguém sabe
se não fôr
quem não zarpa
não tem Amor
esperar menos
fazer mais
enfim sereno
p´ra onde vais?

A mulher que se casou com ela própria

José Tolentino Mendonça
DN Madeira 10.01.11


[este texto respeita o novo acordo ortográfico]

«Sabem de país mais desconhecido que um coração?». Foi o que me apeteceu perguntar estes dias ao assistir num dos telejornais a uma notícia bizarra, com a qual até os jornalistas que assinavam e apresentavam a peça gozavam. Uma mulher de Taiwan, secretária de profissão, aí entre os trinta e os quarenta anos, tinha protagonizado um casamento com ela própria: com direito a vestido branco, aliança, transporte em limousine, jantar para centenas de convidados e fogo de artifício. Não sei como é que tal possa ser, pois não imagino que exista em alguma parte um enquadramento jurídico para iniciativas do género. Penso que tudo se terá ficado por uma celebração simbólica em que aquela mulher, encenando um matrimónio, jurava fidelidade a si mesma.

Ao receber uma notícia destas podemo-nos rir, alarmar, enfurecer, encolher os ombros, interrogarmo-nos se tudo não passa de uma farsa desenhada para os tabloides e para a TV nas tréguas natalícias onde, ao que parece (sic), as notícias sérias não abundam, questionar a saúde psicológica daquela mulher e dos que a rodeiam, etc, etc. Mas, a existir um pingo de verdade nesta insólita história, somos remetidos para um nível mais profundo de compreensão: temos de tentar perceber, por de trás do ato, ainda que nos pareça destituído de qualquer racionalidade, o que conduz ou pode conduzir um Ser Humano a uma decisão destas. Sem querer ficcionar sobre uma história seguramente já saturada de ficção (e de óbvias, penosíssimas ilusões), há uma causa que ocorre imediata: uma grande, irresolúvel e mal vivida solidão.

A cultura contemporânea deixou de nos preparar para a solidão. Na maior parte das vezes é uma aprendizagem que temos de fazer em cima dos próprios acontecimentos, ou na sua dolorosa ressaca, e de forma muito desacompanhada. É como se a solidão fosse uma surpresa absolutamente improvável na nossa experiência humana e não, como ao contrário é, um modo de existência completamente comum. Há uma frase de Truman Capote, que há anos passei para um dos meus cadernos: «Todos estamos sozinhos, debaixo dos céus, com aquilo que amamos». Mas esquecemos isso. Esquecemos que todos os dias, mesmo numa vida afetivamente integrada e febrilmente ativa, a solidão nos visita. Somos sós connosco próprios e em companhia. Fomos sós em criança, fomos assim na transbordante juventude e nas décadas da vida adulta, e seremos assim na velhice. A amizade e o amor são formas de condividir, diminuir, dar serenidade ou potenciar criativamente a solidão, mas o assobio ininterrupto da solidão continuará a fazer-se ouvir no abraço redondo dos amantes ou na ronda magnífica dos amigos. Recordar-se disso é humanizar o nosso olhar e o nosso juízo sobre a realidade.

Também por este motivo, gostei muito de reencontrar no número de janeiro da revista "Ler" as palavras lúcidas da escritora brasileira Nélida Piñon, opondo o alicerçante desejo de recolhimento à atração atual por tudo o que é dispersivo: «a solidão buscada é o lugar onde melhor aprendi a encontrar-me».
Este blogue NÃO respeita o novo acordo ortográfico e espera poder continuar a dar erros durante muito mais tempo.

Há certas enfermidades das quais se padece com singular alegria...

09 janeiro 2011

primeiros passos em 2011

a caixa com outras caixinhas lá dentro enquanto os ciclos correm. nevoeiros gaélicos. amizades atendidas. estágios em tempo de férias. perenes fábulas antigas. amoras que comunicam. 5 cafés. surrealidade na lua que anda. restaurantes com arestas por limar. restaurantes que são salas de estar. corações acompanhados. damas despeitadas. bares a favor dos copos. furacões que chegam. saltos mortais. aprovação pendente. ficar até ao fim. emigrar sem pêlos na cabeça. ser pago para curar a calvice. não beber com a direita. artes e informática. tecnologias e conteúdos. génios excêntricos. artistas executivos. só artistas. artistas azeiteiros. 5000€. assassinatos. eleições. magia que atravessa vidros. magia que reproduz. bruxedo. creatividade. polícia cá e lá. trabalho. sorna. wittgenstein e a relva que tinha em casa. atlântico-poça-que-separa. águas a rebentar. surdos a desesperar. cães que voltam mais gordos. segunda vida para fugir da primeira. compras por aproximação. pipocas e batatas. 

viver a caminho.
...tá muita bom...

07 janeiro 2011

porque ela gosta...

"Dress sexy at my funeral my good wife
Dress sexy at my funeral my good wife
For the first time in your life
Wear your blouse undone to hear
And your skirt split up to here

Oh dress sexy at my funeral my good wife
For the first time in your life
Oh dress sexy at my funeral my good wife
Wink at the minister
Blow kisses to my grieving brothers

Dress sexy at my funeral my good wife
And when it comes your turn to speak before the crowd
Tell them about the time we did it
On the beach with fireworks above us

On the railroad tracks with the gravel in your back
In the back room of a crowded bar
And in the graveyard where my body now rests

Oh dress sexy at my funeral my good wife
Dress sexy at my funeral my good wife
For the first time in your life

Also tell them about how I gave to charity
And tried to love my fellow man as best I could
But most of all don’t forget about the time on the beach
With fireworks above us

Oh, oh, oooooh ..."



Smog - Dress Sexy at my funeral

03 janeiro 2011

A sombra da falsidade

por JOÃO CÉSAR DAS NEVES
in DN 2011-01-03

Os últimos anos trouxeram um traço original à nossa realidade política. Pela primeira vez há muitas décadas o País vê-se a viver debaixo de um manto de suspeitas, enganos, falsidades.

A vida política sempre teve proverbiais problemas com a verdade, pior numa sociedade mediática. Mas se uma certa ilusão e encenação fazem parte do saudável confronto parlamentar, existem épocas de distorção inaceitável, mesmo em sociedades civilizadas. O caso clássico é a presidência de Richard Nixon, cujo estilo e esquemas marcaram um período conturbado da fogosa democracia americana. Hoje vive-se situação semelhante em Portugal.

Desde 1974 a democracia sofreu fases muito diferentes, algumas difíceis e incertas. Mas nunca se viveu um clima de desconfiança e embuste como actualmente. Se tal situação não pode ser atribuível a uma pessoa, é verdade que, como Nixon, cabe a José Sócrates o papel central de responsável, inspirador e maestro desse ambiente. Trata-se, não tanto de um esquema consciente e organizado, mas de uma segunda natureza instintiva e automática.

As provas, hoje esmagadoras, tiveram sintomas desde o princípio. Apesar da pose inicial de estadista reformador, Sócrates viu-se logo envolvido num espectacular ardil para fugir da solene promessa eleitoral de não aumentar impostos. A surpresa indignada perante o que todos sabiam, o nível do défice, e a comissão técnica justificativa da cambalhota foram criações magistrais no género.

Este foi apenas o primeiro episódio de longa novela de ficções e patranhas. As questões financeiras permaneceram tema favorito, até ao rosário de PEC de 2010. A descarada desorçamentação e contabilidade criativa para sustentar projectos favoritos, como energias renováveis, distribuição de computadores e outros devaneios, escondem pesadíssimos compromissos sobre o futuro. Sobretudo as parcerias público-privadas, em que se apostou como nenhum governo do mundo, representam uma bomba de relógio fiscal que ultrapassa toda a nossa multissecular história de desregramento.

Nem só de dinheiros viveu a aldrabice. Todos os campos da vida nacional estiveram, mais ou menos, debaixo da sombra da falsidade. Das graves acusações na sua vida pessoal às supostas reformas corajosas que não mudavam nada, foram cinco anos de encenações, enredos e miragens. Claro que se tomaram medidas importante e foram feitas mudanças estruturais. Mas até essas tinham de vir sempre envolvidas em pretensões exageradas e roupagens fantásticas.

Nas questões fracturantes, prioridade irresponsável deste executivo, foram realizados prodígios de prestidigitação. Afirmando-se sempre um político equilibrado, moderno e conciliador, Sócrates enveredou impudente- mente pelo partido mais extremista, palpavelmente feliz por conseguir tal ilusionismo diante do país embasbacado.

É muito curioso que, nas várias suspeitas que surgiram relativamente a aspectos da sua história pessoal e política, o senhor primeiro-ministro tenha adoptado sempre a posição oposta à canónica. Os políticos acusados de fraudes ou tropelias costumam afirmar-se ansiosos que a questão vá a tribunal para que a verdade vença. Sócrates, nunca abandonando uma posição de negação indignada, fez sempre tudo para evitar o esclarecimento jurídico.

Este comportamento na cúpula ressentiu-se em todos os níveis da vida nacional. Portugal habituou-se a ver publicamente as contínuas e sistemáticas práticas de sobrepor à realidade um filtro distorcido, empregar expedientes oportunistas de manipulação, negar a evidência mais patente. A verdade desaparece sempre debaixo dos fumos da conveniência. Agora a crise faz a impostura descer a canalhice.

É bom não exagerar o significado desta realidade. Embora indiscutivelmente grave e nocivo, este novo estilo político nada tem a ver com as misérias de há cem anos. Além disso o repúdio generalizado pelo consulado de Sócrates terá consequências futuras. Como Nixon, ele ficará na história como hiato triste e aviso solene. Felizmente José Sócrates não representa a política lusa.

naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt