30 novembro 2010



...e assim meus amigos, é como se dança o Tango...

O bem da má vontade

Miguel Esteves Cardoso
in Público, 2010-11-30

A Maria João não gosta de agriões. Odeia. Mas, de vez em quando, quando tem pena de mim, faz-me a melhor salada de agriões do mundo.

Detesta lavá-los e arranjá-los. Detesta temperá-los. Mas, por obrigação, com sacrifício e perda de prazer e de tempo útil, faz-me uma salada de agriões. Eu aprecio mais a salada - dá-me mais gosto por causa disso. Também eu, não em contrapartida mas em compartida, meto-me em trabalhos por causa dela, que me custam, porque sei que ela vai gostar.

O prazer de ver o outro feliz é verdadeiro e bom - mas não compensa, em termos de tempo e de energia gastas (incluindo o que não se fez por estar a fazer aquilo que não nos apeteceria, se fosse só por nós). É uma dádiva.

É treta dizer-se que se cozinha com amor ou por paixão. Tudo o que eu comi de bom foi cozinhado com tédio, por dinheiro ou dever, com raiva de perder assim o tempo, por tão pequeno lucro.

O acompanhamento é a exigência, vinda dos anos 60, que não queremos nada que não nos seja dado de "boa vontade" ou, pior ainda, "sem ser por obrigação". Que cruel e prepotente disparate! As coisas melhores e mais bonitas são as que recebemos e damos por obrigação, por termos a consciência pesada, por dever, para não sofrermos a culpa de termos seguido as nossas vontades.

Exigir que nos façam as vontades de livre vontade e com prazer que não seja o de nos fazer a vontade é uma dupla estupidez. Por ser impossível e por tirar o mérito e o amor a quem nos faz.

29 novembro 2010

Barbara Streisand



Duck Sauce

enquanto o comboio passa,
pare, escute e olhe.
sinta, veja e oiça.
ganhe tempo!

The Cave...



Mumford & Sons

isto não é nada mau! Digo mais! isto tá muita bom!!!
obrigado Marta.

História breve do índio guarani.

De uma playlist que a Matilde pôs aqui,
Chega a história do índio guarani.

A playlist:

1. Julian Casablancas – Tourist
2. Humanos – Quero É viver
3. Beach House – Wedding Bell
4. David Fonseca e Rita Redshoes- Hold Still
5. Tiago Guillul – Beijas como uma Freira
6. GNR – Efectivamente
7. Os Pontos Negros – Conto De Fadas De Sintra A Lisboa
8. Alicia Keys – Empire State Of Mind
9. B Fachada – Conceição
10. Caetano Veloso – Alegria, alegria
11. Florence and the Machine – Dog Days Are Over
12. Little Joy – Brand New Start
13. Guilherme Arantes – Cheia de Charme
14. Camera Obscura – Lloyd, I’m Ready To Be Heartbroken
15. MGMT – Time To Pretend
16. Sia – Lentil
17. Jorge Palma – Jeremias O Fora da Lei
18. Vampire Weekend – A-Punk
19. Os Azeitonas – Mulheres Nuas
20. The National – England


A breve história do índio guarani:

É… lá na tribo é que era…

Depois um dia veio um Tourist inglês, claramente num Empire State of Mind que me disse para Hold Still enquanto ele tirava uma fotografia. Eu fartei-me e tinha chamado a GNR se houvesse lá na selva!!!
Quando lá vivia, fui sentindo cada vez mais forte uma voz a dizer Quero é Viver e então um dia parti. Despedi-me das Mulheres Nuas (foi duro) e pus-me a caminho! The Dog days Were Over! Era tempo de um Brand New Start!

Cheguei a Portugal e conheci a Conceição. O nosso tempo juntos foi um Conto de Fadas de Sintra a Lisboa… Literalmente! Chegámos a Lisboa e eu disse que tínhamos de falar. Ela percebeu onde eu queria chegar e disse “Lloyd (era a minha alcunha), I’m ready to be heartbroken…”
Ainda meio atarantado por ela ter percebido logo disse-lhe “Conceição… o problema é que tu beijas como uma freira…”. Ela deu-me um par de estalos (merecido) e disse-me, cuspindo ódio e mágoa, que eu era pior que o Jeremias o fora da lei… Depois de defender o seu orgulho acalmou-se, constatou que Efectivamente só tínhamos durado de Sintra a Lisboa, abriu um sorriso, olhou-me bonita e serena (mas à mesma sem saber dar beijinhos), disse “Lentil”… e partiu.
Nunca mais vi a Conceição e nunca percebi o que quer dizer Lentil. Foi assim a história da minha primeira namorada portuguesa!

O tempo passou, eu aculturei-me, arranjei um trabalho e achei que era Time to Pretend que gostava daquilo até aparecer uma coisa melhor.

Quando a vi pela primeira vez, a minha vida virou um turbilhão de emoções! Os planos desfizeram-se! Fui levado ao limite, deixei-me de pretend e aí percebi a verdade: Ela tinha ser minha, ou então eu dela! Era indiferente! Tínhamos era de ficar juntos!

Atravessei o bar enquanto revia na minha cabeça o que lhe ia dizer. Ela desarmou-me Cheia de Charme, no primeiro “olá”… ainda tentei fazer cara de mau como A-Punk mas não serviu de nada! Os primeiros minutos foram atordoantes! Tentei manter-me à tona como podia! Ela contava-me como tinha vivido em England e eu só lhe podia dizer que nunca tinha lá ido! A angústia desse primeiro encontro…! Mas, Alegria, alegria!!! Ela queria voltar a ver-me!!! E eu fui! E vimo-nos! E fomo-nos vendo…!

Vimo-nos durante dois anos até decidirmos que já não queríamos ver outra coisa até ao fim da vida!!!
Então agarrei nas minhas poupanças, comprei o melhor sino que encontrei e disse-lhe que era um Wedding Bell… (tive bem… tive muito bem!). Ela disse-me que sim e casámos uns meses depois. Trocámos colares de sinos (nós os guarani fazemos assim), e os últimos 60 anos foram os melhores da minha vida…

Ela partiu o mês passado. Selpultei-a com terra da minha aldeia.
Agora vou andando. Tenho de aprender tudo outra vez. Era o que ela quereria, acho eu…
Sempre fui eu que fui dela…

Little Lion Man...



Mumford & Sons

enquanto o comboio passa,
pare, escute e olhe.
sinta, veja e oiça.
ganhe tempo!

26 novembro 2010

Marés e ondulação.

On a lighter note...

(pensando bem... os posts anteriores falam da maior Leveza que o Homem pode sonhar. A tal do Homem Livre.)

É, talvez, caso para dizer - On a classy note:



...tá muita bom...

25 novembro 2010

Dos Homens e dos Deuses


Monges do Atlas...

"Não há maior amor que dar a Vida pelos amigos."

"Deixemos que Deus ponha a mesa para nós."
"Deixa passar o homem livre."
" Coragem."




Fui ver o filme "Dos deuses e dos homens".

Nada do que eu possa escrever será capaz de contar o que foi ter visto aquele filme.
É parte consolo, parte libertação, parte entrega e comoção.

À minha frente desenrolou-se a história da experiência de Deus.
Uma experiência de Deus contada da maneira mais honesta e palpável que talvez já tenha visto.
A abertura de coração a essa realidade, à possibilidade de que ela possa acontecer no coração dos homens, ainda que não no nosso, transpira em cada frame, em cada expressão ou deixa dos sete monges.

Arrisco dizer que os próprios actores e o realizador se permitiram dar o benefício da dúvida; arriscaram semi-abrir a porta a Deus para assim mergulhar profundamente nas suas personagens. Talvez alguns deles sejam crentes. Ou então não. Talvez me esteja a arriscar demais. Não faz mal...
Acho que vou sempre gostar de olhar para este elenco desta maneira.



" Deixemos que Deus ponha a mesa para nós".


"Deixa passar o homem livre"

A última ceia ao som de Tchaikovski e depois, serenos e entregues ao abraço do Pai.

"Coragem." A última palavra do filme.

24 novembro 2010

“When I invite you to become saints, I am asking you not to be content with second best.”

Papa Bento XVI no discurso aos alunos ingleses das escolas católicas.

Discurso na íntegra
aqui
Obrigado Joana

23 novembro 2010

Ontem, há quarenta e sete anos



John Fitzgerald Kennedy

Discurso Inaugural do 35º presidente dos EUA no dia 20 de Janeiro de 1960

No dia 22 de Novembro de 1963 era brutalmente assaninado em Dallas um dos presidentes mais promissores e carismáticos da história dos EUA.
Veterano da II Guerra Mundial (Marinha - pacífico sul), e vencedor do prémio Pullitzer. Católico e democrata, foi eleito com apenas 43 anos.

O relatório oficial indicou o ex-marine Lee Harvey Oswald como culpado.
O mesmo Lee Harvey Oswald foi morto à queima-roupa por Jack Ruby quando estava a ser levado da esquadra em que se encontrava detido, antes de qualquer julgamento.

Embora indicando Oswald como culpado, uma das entidades responsáveis pelo inquérito, a House Select Committee on Assassinations considerou como possível a existência de uma conspiração, baseando-se em dados acústicos captados durante o atentado.

Quem brinca com o fogo...!

23.11.2010 - 08:31 Por PÚBLICO, com agências

As desavindas Coreia do Norte e Coreia do Sul trocaram esta manhã centenas de tiros de artilharia junto a uma das ilhas de fronteira entre os dois países, tendo causado a morte a pelo menos um marinheiro sul-coreano, no mais grave incidente desde o fim da guerra das Coreias.




O ataque norte-coreano foi feito sobre uma ilha que fica a ocidente da península coreana, no Mar Amarelo, e terá feito pelo menos um morto entre as tropas sul-coreanas. Há, ainda, pelo menos 14 feridos na ilha Yeonpyeong.

O Governo de Seul já convocou uma reunião de emergência, prometendo uma resposta forte “se as provocações continuarem”, noticia a agência de notícias francesa AFP. A mesma fonte avança que o exército do país já foi colocado em alerta máximo e que vários aviões de combate vão começar a sobrevoar a zona dos ataques.

A YTN refere, também, que vários civis e soldados estão a ser encaminhados para bunkers. Já a Reuters avança que o ministro dos Negócios Estrangeiros do país pensa levar o caso às Nações Unidas.

Os obuses foram disparados depois do emissário norte-americano para a Coreia do Norte, Stephen Bosworth, actualmente em viagem na região, ter deixado Tóquio com destino a Pequim. O responsável encontra-se hoje com as autoridades chinesas para analisar a situação nuclear da Coreia do Norte – o que acontece apenas alguns dias depois de ter vindo a público a existência de uma grande fábrica de enriquecimento de urânio no país.

22 novembro 2010

por gente assim
como pão para a boca
chora a Gente
e não é pouca

mas a minha Gente que chora
ainda não percebeu
que perde pela demora
o Encoberto já morreu!

por cá só há imagem
vazios, manhas e fachada
truques de linguagem
a eterna palhaçada

fica tudo meio à espera
"alguém tem de resolver!"
e a pátria desespera
sem ninguém p'ra lhe valer

mas a minha Gente que chora
ainda não percebeu
que perde pela demora
o Encoberto já morreu!

o Chefe já não vem
nas areias, no rossio
nem resolve se chegar
na cadeira ou avião
as parcas vão ganhar
as parcas vão ganhar

mas a minha Gente que chora
ainda não percebeu
que perde pela demora
o Encoberto já morreu!

Chefe existe em cada um
em dever e capacidade
pela Gente lutemos todos
por Amor e Caridade!

mas a minha Gente que chora
ainda não percebeu
que perde pela demora
o Encoberto já morreu!

acordem o Zé Povinho
da Lapa à Madragoa
anda armado em coitadinho
e não vê que a hora é boa!

que interessa se bate o vento?
é preciso navegar!
a bater nos de São Bento
esquecemo-nos de zarpar!

fica o Sonho desvalido
se não deres a tua parte
o teu papel cumpre aguerrido
com o tal engenho e arte!

mas a minha Gente que chora
ainda não percebeu
que perde pela demora
o Encoberto já morreu!

o Encoberto já morreu...

Evaporar

Tempo a gente tem
Quanto a gente dá
Corre o que correr
Custa o que custar

Tempo a gente dá
Quanto a gente tem
Custa o que correr
Corre o que custar

O tempo que eu perdi
Só agora eu sei
Aprender a dar
Foi o que ganhei

E ando ainda atrás
Desse tempo ter
Pude não correr
Dele me encontrar

Ahh não se mexeu
Beija-flor no ar

O rio fica lá
A água é que correu
Chega na maré
Ele vira mar

Como se morrer
Fosse desaguar
Derramar no céu
Se purificar

Ahh deixa pra trás
Sais e minerais, evaporar!

by Little Joy

Saltar no Escuro... e não olhar para trás

Depois, Jesus obrigou os discípulos a embarcar e a ir adiante para a outra margem, enquanto Ele despedia as multidões. Logo que as despediu, subiu a um monte para orar na solidão. E, chegada a noite, estava ali só. O barco encontrava-se já a várias centenas de metros da terra, açoitado pelas ondas, pois o vento era contrário. De madrugada, Jesus foi ter com eles, caminhando sobre o mar. Ao verem-no caminhar sobre o mar, os discípulos assustaram-se e disseram: «É um fantasma!» E gritaram com medo. No mesmo instante, Jesus falou-lhes, dizendo: «Tranquilizai-vos! Sou Eu! Não temais!» Pedro respondeu-lhe: «Se és Tu, Senhor, manda-me ir ter contigo sobre as águas.» «Vem» - disse-lhe Jesus. E Pedro, descendo do barco, caminhou sobre as águas para ir ter com Jesus. Mas, sentindo a violência do vento, teve medo e, começando a ir ao fundo, gritou: «Salva-me, Senhor!» Imediatamente Jesus estendeu-lhe a mão, segurou-o e disse-lhe: «Homem de pouca fé, porque duvidaste?» E, quando entraram no barco, o vento amainou. (Mateus 14, 22-32)

Às primeiras horas da madrugada, o som de um alarme de incêndio interrompeu o silêncio e, no momento exato, despertou uma família para o choque de ver a sua casa envolvida pelas chamas. Sem tempo para salvar o que quer que fosse a não ser as suas próprias vidas, desceram as escadas a correr e escaparam para a escuridão. Ainda a recuperar o fôlego, o Pai contava os filhos: «João, Ana, Maria, Miguel... – onde está o Miguel?»

Naquele preciso momento, o Miguel, de cinco anos, chorava de uma das janelas do primeiro andar: «Mãe! Pai! Onde estão?»

Era demasiado tarde para voltar a entrar – a casa estava um inferno – pelo que o Pai respondeu: «Salta, Miguel, que eu seguro-te».

Entre soluços, a criança chorava: «Mas eu não consigo ver-te, papá!»

O pai respondeu-lhe calmamente: «Eu sei que não me consegues ver, filho, mas eu vejo-te. Salta!»

Durante alguns instantes não houve nada a não ser o silêncio. Então o rapaz saltou para a escuridão e encontrou a segurança nos braços do pai.

***

Nós somos aquela criança, todos nós, todos os dias: apanhados no escuro, precisando e querendo saltar, mas incapazes de ver onde vamos cair, sentindo-nos sós e assustados. Somos também Pedro, querendo andar sobre a água em direção a Jesus, mas hesitamos e deixamo-nos submergir.

“O medo é inútil», disse muitas vezes Jesus. “O que é preciso é fé”. Está certo, mas a fé de que Ele fala não é o que muitos de nós pensamos. Não se tratam de abstrações teológicas. Trata-se de nos confiarmos às mãos de Deus porque sabemos que Ele nos ama mais do que nós nos amamos a nós mesmos.

Mas ainda que esta ideia esteja clara, podemos ainda ficar desorientados por pensarmos que, ao confiar em Deus, Ele nos protege do fracasso e da dor. A promessa não é essa. A promessa de Deus para aqueles que nEle confiam é esta: Ele dar-nos-á a força para enfrentar todos os problemas que surgirem, e nunca deixará que sejamos destruídos por eles, ainda que morramos.

Mas a fé tem ainda outro lado: os talentos e dons que Deus nos deu porque Ele teve fé em nós. Pedro perdeu a fé nos dons que Deus lhe havia dado e esperou que Deus resolvesse o problema. Resultado: afundou-se! Confiar em Deus significa também confiar nos seus dons. E confiar nos seus dons significa usá-los.

Há uma antiga expressão que diz: Trabalha como se tudo dependesse de ti, e reza como se tudo dependesse de Deus. É precisamente o que é necessário, mas não é fácil aplicá-lo porque não conseguimos ver Deus, e demasiadas vezes não conseguimos ver os nossos dons. Pode ajudar recordar as palavras escritas há mais de 50 anos na parede do gueto de Varsóvia:

Acredito no sol, ainda que não brilhe.

Acredito no amor, ainda que não o sinta.

Acredito em Deus, ainda que não O veja.

Confie em Deus e confie nos dons que Ele lhe deu. Ou seja, use os seus dons. E então salte! E nunca olhe para trás!



Mons. Dennis Clark
In Catholic Exchange
Trad. / adapt.: rm
© SNPC (trad.) 20.11.10

11 novembro 2010

Fome

10 11 2010 21.51H

João César das Neves naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt

Escolas abrem ao fim de semana para matar a fome aos alunos.» Apesar da crise política, campanha presidencial e urgência dos juros da dívida, o Expresso escolheu este para título principal do último sábado. Foi uma excelente opção jornalística. Este é sem dúvida o verdadeiro problema do momento: volta a haver fome generalizada entre nós. Tudo empalidece ao lado disto.

Mas este título mostra também um outro facto ainda mais importante. Perante a incapacidade do Estado, a sociedade enfrenta a emergência. «Mesmo quando não há apoios extras do município ou do Ministério da Educação, muitos estabelecimentos de ensino fazem tudo para minimizar as carências alimentares de algumas crianças. [...] Notámos que havia alunos que não comiam o pão do almoço ou a sandes do lanche [...] iam discretamente ao pátio dar o que não comeram a um colega que lhes tinha pedido para poder levar para casa.» (p. 22)

Há várias décadas que, com custo de milhões, os sucessivos governos nos asseguraram que a sua política eliminaria a pobreza. Proclamaram o sucesso várias vezes. Agora, quando é mesmo preciso, tudo se desmorona. Parece que nos 80 mil milhões de euros do Orçamento de Estado não há dinheiro suficiente para alimentar crianças. Compreende-se, é preciso acorrer ao TGV e outras prioridades.

Os políticos estão presos de si mesmos. Felizmente ainda restam as escolas, paróquias, IPSS, serviços camarários, ou simplesmente os vizinhos e colegas. Esta é a grandeza de Portugal e enquanto existir a crise dos políticos não nos vence.

08 novembro 2010

De que falamos quando falamos de santidade..

"Sophia de Mello Breyner naquele conto tão conhecido, “O retrato de Mónica”, explica que a poesia é-nos dada uma vez e quando dizemos que não ela afasta-se. O amor é-nos dado algumas vezes, e também se o recusamos ele distancia-se de nós. Mas a santidade é-nos dada todos os dias como possibilidade. E se a recusamos teremos de a recusar todos os dias da nossa vida, porque quotidianamente a santidade se avizinha de nós.

Contudo, fizemos da santidade uma coisa tão extraordinária, abstrata e inalcançável, que quase não ousamos falar dela. Muito menos no espaço público. De certa forma, habituamo-nos a olhar para a experiência cristã como que acontecendo a duas velocidades: o caminho heroico dos santos e a frágil estrada que é aquela de todos os outros, e por maior razão a nossa. Ora esta conceção de santidade não pode estar mais longe daquilo que a tradição cristã propõe, pela qual pugnou e pugna. O Concílio Vaticano II, por exemplo, deixa bem claro: a santidade é vocação mais inclusiva e comum. Mas é preciso entender de que falamos quando falamos de santidade.

Bastar-nos-ia certamente ler as bem-aventuranças. Jesus não diz que os bens aventurados são os outros, os que não estão ali. Jesus olha para a multidão e começa a dizer: “bem-aventurados vós os pobres”, “bem-aventurados vós os aflitos”, “bem-aventurados vós os misericordiosos”. O quê que isto quer dizer? Que são, no fundo, as nossas pobrezas, fragilidades, aflições, mansidões, procuras de justiça, sedes de verdade, as nossas buscas por um coração puro, que dão a substância da bem-aventurança, a matéria da santidade.

É naquilo que somos e fazemos, no mapa vulgaríssimo de quanto buscamos, na humilde e mesmo monótona geografia que nos situa, na pequena história que dia-a-dia protagonizamos que podemos ligar a terra e o céu. Falar de santidade em chave cristã passou a ser isso: acreditar que a humanidade do homem se tornou morada do divino de Deus."

José Tolentino Mendonça
04.11.10

Guia para a Crise

JOÃO CÉSAR DAS NEVES
Diário de Notícias 2010-11-08

Tem custado a assumir, mas parece que todos finalmente aceitam que estamos em crise. Até o Governo abandonou meses de hesitação e panaceias e adoptou esse discurso oficial. Tirando José Sócrates, toda a gente no mundo sabe que Portugal vive uma crise séria. Agora só falta enfrentá-la. Algumas ideias simples podem ajudar.

Primeiro: deixar-se de queixas. Temos de abandonar o ar pesaroso e indignado. As crises são normais, frequentes, e não são o fim do mundo. Já tivemos muitas, várias muito piores que esta, e teremos bastante mais no futuro. Lamentos, zangas e desesperos são agora, não só ridículos, mas prejudiciais. O que há a fazer é deixar-se de tretas e deitar mãos à obra. Compreende-se que os sindicatos tenham de fazer manifestações e declarar a greve geral. É a sua função e há que cumprir calendário. Mas isso não resolve nada e complica tudo ainda mais. Queixar-se nesta altura é perda de tempo. Nem sequer nos devemos queixar do facto evidente de aqueles que protestam não serem os mais afectados, pobres e desempregados, mas aqueles que defendem benefícios que criaram a crise.

Segundo: deixar-se de acusações. A crise tem vários culpados, alguns evidentes. E até é verdade que muitos desses estão a passar incólumes beneficiando das suas tropelias. Justiça e tribunais devem puni-los. Mas também devemos deixar a busca obsessiva de arguidos. É muito estúpido, quando a casa está a arder, instaurar controversos processos de intenção e responsabilidade, envolvendo-se em discussões necessariamente longas. Há um tempo para tudo, e este não é tempo de recriminações. Até porque a culpa última é de todos nós, que cá vivemos estes anos.

Terceiro: deixar-se de fantasias. As fantasias são de dois tipos: as tolices optimistas do Governo e os cenários catastróficos das conversas de café. Estas últimas são as mais perigosas. Portugal não é um país miserável, incapaz e sem saída, que voltou à desgraça de sempre. Somos um estado desenvolvido, moderno, onde muitas coisas funcionam bem e existem excelentes oportunidades. É verdade que nos deixámos endividar na euforia, mas isso até é sinal de credibilidade. Agora temos de pagar: o problema é grave mas está circunscrito. É preciso enfrentá-lo sem perder a cabeça em atoardas. O realismo é o melhor trunfo para enfrentar as dificuldades como elas são. Sem as escamotear, mas também sem as exagerar.

Quarto: enfrentar a crise. Os portugueses, que costumam dormir na bonança, dão o seu melhor nos momentos impossíveis. A recessão não tem uma solução; tem milhões. Dez milhões, para ser exacto. Será cada um, lidando de forma prática com as dificuldades reais que se lhe colocam, que construirá a resposta indispensável para a crise nacional. Trabalhar mais e melhor, poupar mais, investir mais e melhor são as saídas, agora como sempre. Além da criatividade, imaginação, improvisação e desenrascanço em que somos peritos. Se fizermos isto uns tempos veremos que a crise passa muito mais depressa que julgamos.

Para alguns a saída é mesmo sair do país. É uma resposta habitual por cá, que não nos deve deprimir. Fizemo-lo muitas vezes e voltaremos a fazê-lo. Sabemos aliás que é lá fora que damos o nosso melhor. Desta vez é bom lembrar que um dos mais apetecidos destinos de emigração tem sido... Portugal. Todos os empregos que desdenhámos na última década, e que trouxeram para cá milhares de estrangeiros, continuam por aí. E naturalmente os portugueses ainda têm vantagem face a emigrantes ou a emigrar. Ou não?

Ainda falta algo essencial: não podemos perder a nossa tradicional compaixão pelos que mais necessitam e sofrem. A crise ataca alguns de forma brutal e temos todos de os ajudar. Sabemos bem que "ai dos pobres se não forem os pobres". A injustiça nacional dos últimos anos deveu-se precisamente a que, sendo novos ricos, por momentos perdemos de vista os antigos valores. A crise tem de ser um chamamento à famosa hospitalidade lusitana.

Todos sabemos que estamos em crise. Agora só há uma continuação possível: sair dela.

naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt

04 novembro 2010

Teflon®

DESTAK 03 11 2010 20.39H
João César das Neves naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt

Não é fácil, mas tente olhar José Sócrates em termos puramente estéticos. Abstraindo da gravidade da situação e influências na nossa vida, considerando apenas a capacidade de manipulação e sobrevivência política, Sócrates é espantoso.

Fiascos, crises, mentiras e inversões passam sem efeitos. Nunca é afectado pela realidade, não cede a escrúpulos, não teme escândalos. Sobreviveu às dúvidas sobre a sua licenciatura em Março de 2007, os casos Freeport desde 2005 e Face Oculta desde 2009 e os ataques mais violentos. É impressionante a capacidade de inverter compromissos, mudar de carácter, esquivar-se de golpes. Como nas panelas de Teflon, nele tudo desliza sem pegar.

Hoje a crise é gravíssima, paralisa a economia, desanima a sociedade, danifica a imagem internacional. O Governo, no poder há cinco anos, afunda-se em culpas, contradições, hesitações, bloqueios. Normalmente já teria caído ou sofreria sondagens mise-ráveis e atitude defensiva, acossada ou apática. Assim foram John Major, George Bush, agora Zapatero.

Sócrates não! Nunca se desculpa, nunca lamenta, nunca recua. Segue sempre em frente. No meio da tempestade perfeita mantém o ar inocente, triunfante até. E com razões. As sondagens são aceitáveis e a sua eficácia tribunícia permanece imponente. Quem o ouve é levado para um reino fantástico e sedutor onde, omitindo os fiascos, se olha com confiança o sucesso da próxima proposta. No campo orçamental roça o surrealismo.

A situação política está a fritar o Governo há anos e ultimamente o lume subiu. Mas Sócrates é Teflon.