O maçon que queria ser católico era um fulano simpático, bem intencionado, honesto. Era um bom homem, um homem sério. Sempre tinha pertencido à maçonaria. Tinha sido um grupo que lhe tinha dado sentido e enquadramento, mas recentemente gostava mais dos evangelhos e havia qualquer coisa que o atraía para o altar, para a comunhão.
Era tudo isto e, por isso, tinha um problema - por mais que tentasse, não encaixavam no mesmo molde, o Deus Católico - Pai e Criador do Universo; e o Grande Arquitecto, ou Grande Relojoeiro, ou Princípio Criador que no princípio era o Verbo, ou, mais recentemente, a Energia Criadora.
Sendo, como era, um homem sério, a questão não era de somenos - intuía que havia mais alguma coisa; que o mundo não se explicava só com a matéria. Falou com muita gente e não encontrou resposta. Procurou em muitos sítios mas não encontrou solução.
As imagens que conhecia das andanças iniciáticas também não ajudavam. As rodas dentadas, os ponteiros, as colunas e as traves não são conhecidas pelo seu livre arbítrio. Ouvia os católicos falar de um Deus que cria por Amor e ama tanto a sua criatura que a faz livre; tanto que enviou o Seu Filho para a salvar. Tanto que é como o pastor que pela pior das ovelhas perdidas deixa o rebanho inteiro para a ir buscar.
Ora onde cabia este amor nas peças de um relógio? Acaso o poderia encontrar se vasculhasse o estirador do arquitecto? Onde cabia o Amor aí? Onde cabia a Carne aí? Onde cabia o Sangue aí? Onde cabia o Pai e o Filho? Onde estavam a queda e a misericórdia que ele experimentava na sua vida familiar de pai e marido?
É que ele dava por si a escolher livremente sem os constrangimentos de uma engrenagem presa a um eixo. Nem o tecto lhe caía na cabeça por se mexer de uma sala para a outra. E dava por si a transbordar de amor a cada nova coisa que o seu filho fazia, a cada ternura que recebia da sua mulher. A cada reaproximação depois de lhes falhar. Havia um mistério nesses encontros tão de todos os dias que ele pressentia estarem intimamente ligados ao grande mistério do mundo inteiro, de uma vida inteira. Andava nisto. Andava nisto permanentemente às voltas no mesmo sítio.
Um dia, numas férias na terra dos pais, saiu com o filho a passear. Iam subir ao cabeço ver se no carvalho mais alto ainda estava a casa que ele tinha feito em miúdo. Estava. O filho amaranhou por ali acima e caiu desapoiado pelo chão da casa que afinal não estava bom.
Ouviu Cristo no grito do filho. Viu Cristo no olhar do filho. Sentiu Cristo no abraço apertado, o mais apertado da sua vida inteira, quando o agarrou e lhe amparou a queda. Foi nesse abraço que o seu filho não largava que escutou o coração a bater com toda a força - o seu, o do filho e o do Filho. E aí percebeu o que era o Amor.
Nessa noite, depois de tudo, saiu direito à igreja velha, do padre velho, da velha sentada no banco velho. Fria e escura. Quadro miserável. Menos a hóstia. Intensamente branca, impossivelmente radiosa. Um círculo de luz na escuridão - era noite de adoração.
Confessou-se. Comungou. Chorou. Riu. Exaltou. Por dentro parecia que trazia uma orquestra em apoteose e um coro de mil vozes num adágio permanente em reverberação infinita. Estava incendiado.
Disse adeus ao arquitecto e despediu o relojoeiro. Depois de queimar o avental no dia seguinte, foi para a missa de domingo; filho pela mão e braço dado à mulher.
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