11 março 2014

O Marquês que fez.

Razões de uma Homenagem
Câmara Municipal de Alcochete | 15 de Janeiro de 1967

NESTE DIA 15 DE JANEIRO DE 1967, O CONCELHO DE ALCOCHETE VEM RENDER A SUA HOMENAGEM À MEMÓRIA VENERANDA DE D. ANTÓNIO LUÍS PEREIRA COUTINHO, 5º. MARQUÊS DE SOYDOS, BENEMÉRITO DESTA VILA E GRANDE PALADINO DA RESTAURAÇÃO DAS LIBERDADES E AUTONOMIAS MUNICIPAIS.

Esquartelado. 1º. de Coutinho, 2º. partido de
Netto e Patto, 3º. partido de Nogueira e Pimentel
4º. de Coutinho, escudete sobre o todo de Pereira
Dados Biográficos.

D. António Luís Pereira Coutinho Pacheco Patto Nogueira de Novais Pimentel, 5º. Marquês de Soydos e Grande de Espanha, Marquês Parente, etc, nasceu no palácio de São Gonçalo, de sua Família, à Penha de França, em Lisboa, no dia 9 de Agosto de 1818, e faleceu no seu solar de Alcochete no dia 9 de Agosto de 1908, portanto, precisamente no dia em que completou 90 anos.
Foi filho primogénito do 4º Marquês de Soydos, D. António Xavier Pereira Coutinho Pacheco Patto Nogueira de Novais Pimentel, e da Marquesa D. Maria da Madre de Deus de Lemos Pereira de Lacerda.
Por sua avó paterna, D. Isabel Teresa Bárbara Vitória Netto Pereira Patto de Novais Pimentel, que nasceu em Alcochete na casa solar dos Álvares Pereiras (hoje edifício dos paços do concelho), e que foi, pelo seu casamento, segunda Marquesa de Soydos, trazia a representação das Casas dos Pereiras Pattos, dos Nettos de Novais e dos Álvares Pereiras, de Alcochete; e dos Novais Pimenteis, de Aldea-galega. Por esta mesma linha foi igualmente representante e senhor das Casas dos Monizes de Lusigano, de Alcochete, dos Nogueiras, de Santarém, e ainda dos Novais, do imortal navegador, Bartolomeu Dias e de seu neto Paulo Dias de Novais, 1º Capitão-General de Angola e fundador de São Paulo de Luanda.
Na sua mocidade frequentou o 5º. Marquês de Soydos as aulas dos frades de São Vicente de Fora e do Colégio dos Nobres. Mas os graves acontecimentos que então se desenrolavam no País obrigaram-no a abandonar os estudos.
Fiel, como seu pai, à causa da legitimidade dinástica, em Outubro de 1833 assentou praça no Regimento de Artilharia da Corte. Passou depois para o Regimento de Caçadores da Beira Baixa e depois para o Regimento de Caçadores 11. Não obstante os seus verdes anos, bateu-se bravamente em defesa dos seus ideais. Foi o seu batalhão que cobriu a retirada do exército legitimista de Santarém para Évora. De todos os oficiais convencionados em Evoramonte, foi ele o último a deixar este mundo.
Instaurado o regime constitucional, vendo-se acintosamente perseguido, emigrou para Itália, donde só muito mais tarde regressou.
Em 1884 casou com D. Maria José da Graça Telles de Melo de Almeida Portugal, filha de Francisco Telles de Melo de Brito Freire de Faro e Meneses e de Albuquerque e de D. Maria Ana Guilhermina Leite Pacheco de Antas da Cunha de Almeida Portugal.
Seu pai, então, deu-lhe casa. E, podendo optar por qualquer outro, foi no velho solar de sua Família, em Alcochete, que o 5º. Marquês de Soydos estabeleceu o seu lar e aqui lhe nasceram os filhos todos.


Corria o ano de 1852 quando faleceu o 4º. Marquês de Soydos. Como seu primogénito e imediato sucessor D. António Luís Pereira Coutinho Pacheco Patto Nogueira de Novais Pimentel assumiu então a administração da Casa de seus maiores.
Ora, não obstante os graves e irreparáveis danos ocasionados pelos sequestrados e confiscos de bens (inevitável e necessária consequência da inquebrantável fidelidade de seu pai e dele próprio à causa da legitimidade dinástica), a Casa de Soydos era ainda considerável.
Pertenciam-lhe importantes bens de raiz, tanto rústico como urbanos, situados nos concelhos de Santarém, Almeirim, Mafra, Torres Vedras, Oeiras, Sintra, Lisboa (freguesias do Campo Grande, Arroios, Charneca, Lumiar, Graça, e Santa Catarina), Alcochete, Aldeagalega, Moita, Coruche, e Montemor-o-Novo.
Mas o 5º. Marquês de Soydos não deixou a sua casa de Alcochete. Amava, sem dúvida, este formoso rincão ribatejano, a que se sentia vinculado por fortes e remotos laços de sangue.
Efectivamente, em 4 de Março de 1875, a Câmara Municipal de Alcochete, reunida em sessão ordinária em que se achavam presentes os vereadores Carolino José da Costa, Miguel Augusto Nunes e José Joaquim Martins, faltando, por motivo justificado, o vereador Manuel da Cruz, ouviu, proferida pelo respectivo presidente, Dr. José Estevão de Oliveira, a seguinte e muito importante comunicação: “Que tendo-lhe o Exmo. D. António Luís Pereira Coutinho, um dos mais abastados proprietários desta vila, aonde há muitos anos reside, manifestado, que muito desejando concorrer para o progresso moral e material desta Terra – sua Pátria adoptiva – digna a todos respeitos de partilhar dos melhoramentos de que é susceptível, e estando na mansa e pacífica posse de um terreno que ocupa uma área de 14,510 metros quadrados, contíguo ao largo do Rocio desta Vila tinha resolvido cedê-lo, de sua mui livre e expontânea vontade, a este município, com a cláusula, porém, de ser única e exclusivamente destinado a um passeio público. Apressava-se, portanto, a dar conhecimento à Câmara desta importante declaração, por estar bem persuadido de que a Vereação não deixaria de aceitar e agradecer, em nome dos seus munícipes, tão valiosa oferta”. A Câmara, proclamando o doador benemérito do Concelho, aceitou a generosa dádiva. Cumpridas todas as formalidades legais, em sessão de Junho desse mesmo 1875, conferia poderes ao seu vice-presidente, Carolino José da Costa, para outorgar na escritura de doação.
E assim, destacando-o de uma propriedade ancestral de sua Família, vinculada em morgado naquele longínquo ano de 1575, e da qual ele foi 13º. senhor, o 5º. Marquês de Soydos oferecia generosamente à Câmara de Alcochete o terreno onde se viria a construir o mais aprazível local da vila – o Rocio.
Mas o testemunho pleno, o maior, da sua acrisolada afeição por esta Terra, deu-o ele na mais grave crise que o concelho de Alcochete experimentou durante a sua existência de muitos séculos – a supressão da própria autonomia municipal.
Na verdadeira luta em que os alcochetanos se empenharam pela restauração das suas liberdades municipais, o 5º. Marquês de Soydos pôs ao serviço dessa causa tudo o que possuía: desde o bens de fortuna, até ao prestígio imenso da sua Casa, do seu nome, da sua própria pessoa, então havida como uma das mais veneráveis figuras da velha aristocracia de Portugal. Certamente, por sua directa influência, a esta sagrada causa da restauração do nosso concelho se devotou, e nela tão decisiva e preponderante influência exerceu, seu irmão mais novo, D. Miguel Pereira Coutinho.
Tudo isto, bem o compreenderam os alcochetanos desse tempo, quando, numa manifestação ímpar nos anais da nossa história concelhia, sem uma só defecção o esperaram no limite do concelho, abaixo do Convento de São Francisco, nesse inesquecível dia 30 de Janeiro de 1898, e em delirante triunfo o conduziram até Alcochete, com os documentos e títulos do arquivo camarário, que ele próprio, só, e aceitando unicamente a companhia do chefe da secretaria da Câmara, José Francisco Evangelista, fora buscar à sede do concelho vizinho.
Provedor da Misericórdia durante dezenas de anos, serviu com extremos de afecto e generosidade a veneranda Instituição que seus antepassados tanto se honraram de servir.
A sua humildade e modéstia, o haviam levado a renunciar ao uso dos próprios títulos, das honras e dignidades a que tinha pleno direito, também não permitiram que desta acção benemerente ficasse outra recordação ou registo que não fosse a memória dos homens. Menção escrita dela não há, que ele nunca o consentiu.
Mas perdura ainda, especialmente entre os mais humildes, a recordação da sua grande generosidade, da sua bondade sem limites.
No cemitério de Alcochete jazem, em campa rasa, os restos mortais deste Homem que, para além de todos os seus títulos, tem para nós, alcochetanos, o título excepcional de servidor ímpar de Alcochete.
Pareceu bem à actual vereação, e assim o deliberou em sua sessão de Dezembro de 1964, que esta sepultura ficasse perpetuamente confiada à guarda da Câmara Municipal, como entidade representativa da população do concelho e realizadora das suas aspirações e vontades.
Precedeu esta deliberação o assentimento da ilustre Família directamente interessada, mediante declaração dos seus mais directos representantes.

Sabe de certeza a Câmara, ao proceder assim, que tem consigo, ao menos em espírito, as gerações de alcochetanos de 1875 a 1898. Mas com ela estão também, sem dúvida, os alcochetanos de 1967, acompanhando-a no singelo preito de gratidão a quem, com total isenção e pleno desinteresse, foi dedicado amigo dos alcochetanos, especialmente dos mais humildes, e foi grande e generoso servidor do concelho de Alcochete.


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