26 abril 2018
23 abril 2018
Dos azares.
por João Maria Condeixa.
"Ao terceiro cancro encomendou o caixão. Queria deixar tudo resolvido e já tinha tido avisos a mais para se manter de braços cruzados. Se não fosse com este havia de morrer com o próximo. E assim se decidiu a arrumar as suas coisas.
Tratou de encomendar a burocracia, encerrar as contas do banco insolúvel, deixar escritas as partilhas que ninguém queria, arrumar pela grossura de lombadas uma vida inteira de livros, empacotar a coleção de hóstias que de vários cantos do mundo tinha optado por não comungar e até escovou as penas ao seu velho amigo Jacob, o papagaio que nunca na vida imitara mais que um arroto.
Ao longo de meses foi ao mais ínfimo pormenor sempre com receio que o cancro lhe ditasse o fim antes de terminar a tarefa hercúlea a que se tinha proposto.
Só quando tudo acabou é que olhou para trás a pensar quanto mais lhe faltaria pela frente.
Sentou-se para jantar descansada e na primeira azeitona que tragou um caroço dobrou-lhe a espinha ao entalar-se onde nem o ar passava.
Sob signo da asfixia sucumbiu em frente à TV que insistia em ter uma cartomante que falava da sorte e dos milhões de euros que ia distribuir nessa noite. De joelhos, tombou e por engasgamento trivial morreu.
O cão suspirou de tédio e perante a notícia da morte a família desabafou:
- coitada tinha cancro e era o terceiro."
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