por Pedro Lomba
Público, 06.11.2012
"Na semana passada a Gulbenkian acolheu a conferência Portugal e o Holocausto patrocinada, ao que sei, pela Embaixada dos Estados Unidos. Lendo os jornais, apercebi-me que saíram da conferência declarações estranhas. Mas nenhuma ultrapassou em desaforo histórico o que foi dito pelo embaixador de Israel, segundo o qual Portugal "foi o único país que colocou a sua bandeira em meia haste durante três dias", logo que Hitler morreu. E o embaixador de Israel acrescentou: "É uma nódoa que para nós, judeus, vai aparecer sempre associada a Portugal."
Tenho demasiado respeito e simpatia por Israel para deixar passar estas afirmações sem resposta, até porque aparentemente ninguém na própria conferência reagiu. Fui, pois, investigar. E escutar quem investigou. Ora, o sr. embaixador de Israel não sabe, não considerou que os demais Estados neutros europeus na guerra procederam como Portugal. Vejamos a imprensa da época:
No Diário de Lisboa de 3 de Maio de 1945 refere-se que "continuaram a meia haste as bandeiras da Nunciatura Apostólica, da Embaixada de Espanha e das Legações da Suíça e da Suécia". Em Dublin, o mesmo luto protocolar conduziu o primeiro-ministro (e ministro dos Estrangeiros) Éamon de Valera a apresentar condolências à legação alemã. Como pode o sr. embaixador afirmar que Portugal "foi o único com a bandeira em meia haste", quando a prática foi comum aos outros Estados neutrais?
Mas compare-se o luto protocolar do Estado português perante a morte de Roosevelt e o que se registou com a de Hitler. Quando Roosevelt morreu, Salazar deslocou-se pessoalmente à embaixada americana para apresentação de condolências. A propósito dos regulamentos protocolares, lê-se no recente livro do embaixador Bernardo Futsher Pereira sobre a diplomacia salazarista (p. 436): "Neste mundo convulso, Portugal permanecia a mesma plácida ilha de paz. As minudências jurídicas protocolares continuavam a ser rigidamente observadas. A 4 de Maio, quando correu a notícia da morte de Hitler, as bandeiras foram colocadas a meia haste. Quando o embaixador inglês protestou no dia seguinte, Teixeira de Sampaio argumentou que, fosse ou não fosse Hitler o maior criminoso da História, continuava mesmo assim a ser o chefe de Estado de um país com o qual Portugal mantinha relações diplomáticas. Os regulamentos prescreviam uma salva de artilharia e uma visita pessoal de condolências pelo Chefe do Estado ou seu representante. Tudo isso tinha sido eliminado e as formalidades reduzidas a deixar cartões e pôr as bandeiras a meia haste."
Não terá o sr. embaixador omitido o contraste entre a postura de Portugal aquando da morte do Presidente americano e os "serviços mínimos" verificados na morte de Hitler? Não sou historiador e não me pronuncio sobre Portugal na II Guerra. Mas dir-se-á que quer Portugal quer a Irlanda agiram, não por qualquer afinidade com o regime nazi, mas no respeito pelo formalismo protocolar inerente à neutralidade, numa lógica de "correcção diplomática" e de afirmação soberana.
Custa ter de fazer este reparo ao representante de Israel entre nós. Mas a acusação que fez é factualmente errada, é injusta e ignora o cânone protocolar. A 22 de Dezembro de 2011, a Assembleia Geral da ONU cumpriu um minuto de silêncio pela morte do ditador norte-coreano Kim Jong Il, mas esclarecendo à partida que se tratava de um acto protocolar. Foi uma nódoa que mancha Israel e os restantes membros? Ou foi apenas diplomacia as usual, de que o sr. embaixador aqui se esqueceu?"
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