Acontecia sempre da mesma maneira. Depois de se dar a conhecer, começava
lentamente a fazer-se parte das suas vidas. O primeiro encontro era normalmente
casual. O trabalho a seguir era uma coisa subtil, laboriosa e paciente, e variava
no tempo ao tempo do compasso dessa dança que é construir pontes entre pessoas.
Depois chegava o dia em que as convidava para um fim-de-semana no monte que
tinha, com a desculpa de ser uma escapadela das correrias e dificuldades. Era
uma herança de família, na Serra Algarvia e chamava-se Monte das Almas. Das 25 que
lá foram nenhuma chegou a voltar.
Primeiro adormecia-as no último
dia com o vinho em que tinha deitado o químico – normalmente tranquilizantes de
uso veterinário. Depois as vítimas acordavam deitadas na cama, num dos quartos
da casa, e à cabeceira da cama, dizia-lhes que estava tudo bem, que
descansassem, que tinham desmaiado. A seguir saía do quarto. Por nunca mais
voltar, as vítimas tentavam levantar-se para sair e descobriam uma porta
trancada, uma janela trancada e, por fim, o silêncio do outro lado quando gritavam
para lhes abrirem a porta. A certa altura descobriam que o vidro da janela era
inquebrável, que a cama estava aparafusada ao chão e que não se conseguia
desmontar, que eram de facto prisioneiras.
Ao terceiro dia entrava num
repente pelo quarto, disparava o taser
e espancava as vítimas até as deixar no limiar da consciência para depois as
atar a uma cadeira e continuar a tortura. O quarto dia era de absoluta
inactividade. Era para lhes dar tempo para curarem as feridas com o estojo de
primeiros-socorros que deixava em cima da mesa-de-cabeceira quando acabava o
tormento. Chamava-lhe o Estojo do Quarto Dia. O nome não tinha nada de
original. A criatividade guardava-a toda para as suas predações. Ao quinto
começava outra vez. Matava normalmente ao fim de um mês.
A Andreia entrou um dia no posto
da GNR mais próximo e disse que se queria entregar. Tinha 35 anos e estava
coberta de sangue. Ligaram para a Judiciária e foi quando a conheci. Nunca
recebi um depoimento tão sombriamente sereno e lúcido. Primeiro senti
apreensão, depois suores frios, depois a sala escureceu um pouco. Cresceu em
mim enquanto ela narrava todos os “petiscos”, lenta mas inexoravelmente, o mais
absoluto pavor. Tinha diante de mim o próprio Medo.
Sem comentários:
Enviar um comentário