por Henrique Raposo | Expresso | 21.10.13
"O Futuro e os seus Inimigos é um ensaio relevante para os nossos dias de crise. Daniel Innerarity é particularmente feliz na forma como encontra causas culturais e morais para os efeitos económicos. Ou seja, a crise económica do Ocidente é o resultado de escolhas culturais e morais das nossas sociedades. Uma dessas causas é o homem pós-moderno, o sujeito que vive na "cultura da urgência", o eu construído na "simultaneidade" e na "imediatez". Segundo este pensador espanhol, o indivíduo do século XXI está dominado "pelo desejo de satisfação imediata e mostra-se intolerante perante a frustração; exige tudo já, salta de um desejo para outro com impaciência crónica (...) é incapaz de se inserir no mais insignificante projecto ou qualquer continuidade e exige do presente o que deveria ser esperado do futuro". Innerarity não podia estar mais perto da verdade.
Tal como já tentei explicar, a pós-modernidade teve a sua versão económica no indivíduo viciado no crédito - e convém recordar que o vício do crédito, pessoal e estatal, é a causa mais funda desta crise. As nossas sociedades passaram a encarar a poupança como uma tirania inaceitável, porque poupar implica uma distância temporal entre o acto de querer e o acto de comprar. A sociedade do eu pós-moderno com um cartão de crédito no coldre aboliu essa distância. Há uns décadas valentes, o meu pai poupou alguns meses para comprar uma TV a cores. Ao longo das últimas décadas, essa espera conservadora tornou-se inconcebível. A malta compra no momento em que deseja comprar. Este vício no crédito e a consequente ausência de poupança revelam um "presente vicinal, autárquico, auto-referencial e inquieto", um presente que não tolera lições do passado e que despreza o futuro e as gerações vindouras.
Todavia, a análise de Innerarity é frágil num ponto: as causas desta moralidade volátil. O Futuro e os seus Inimigos explica a volatilidade das nossas sociedades apenas pelas parangonas tecnológicas, as mudanças de paradigma comunicacional, etc. Ora, isso é apenas a capa tecnológica. O indivíduo pós-moderno não nasceu na internet (um meio quantitativo), mas sim na educação qualitativa. De forma consciente, as escolas e faculdades ocidentais criaram uma geração no ódio ao passado (contra as narrativas da direita) e no desprezo pelo futuro (contra as narrativas da esquerda clássica). Pior: a memória foi abolida na escola, porque impede a livre circulação da sacrossanta imaginação do petiz. A própria tabuada e o cálculo matemático foram diabolizados e os meninos não têm de aprender matemática, só têm de aprender matematicamente. Ou seja, até a realidade física mais imutável é alterada para não ferir o ego ultraprotegido do petiz. Entretanto, as escolas indianas obrigam os alunos a saber a tabuada até ao 19. 19x9, sff. A "cultura da urgência" e o consequente sentimentalismo nasceram aqui, nesta coutada onde o eu vive num mundo onde não existem as leis da gravidade da economia, da história, da vidinha.
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