por Simão Lucas Pires @essejota
"O que torna o menino mimado especialmente irritante é o contraste ridículo entre o seu estado e o seu comportamento: tem um metro de altura mas olha para as coisas de cima para baixo. Não gostamos de vê-lo exigir tudo antes de conhecer alguma coisa, nem de vê-lo dar ordens quando a sua tarefa é obedecer. E, no entanto, a nossa atitude perante a existência é a mesma. Vivemos com a estranha ideia de que o cosmos tem uma dívida a pagar-nos, e na arrogância de considerar que temos alguma proporção com o que nos rodeia.
Não queremos ver que, por mais adultos que sejamos, continuamos sempre a ser meninos no meio de tudo isto. O curso dos dias, cheios de acontecimentos dentro dos quais não há espaço para perguntas, dá-nos a sensação de que a vida nos dá pelo ombro. Mas a atenção, o olhar que interrompe a sonolência, vem dizer algo diferente: tudo é estranho, tudo me escapa. Há um grande segredo anterior a mim. Basta ver uma flor erguer-se da terra. Basta parar uns segundos perante uma das nossas mãos para perceber que as coisas óbvias não são nada óbvias. Descobrir o mistério que é para nós cada pedaço de ser e, além disso, tomar consciência de que a nossa vida é vã, terrivelmente vã, sem a esperança que a Palavra de Deus nos propõe, põe-nos no lugar e ensina-nos que a justa maneira de olhar é de baixo para cima.
Se na Quaresma nos preparamos para acolher Cristo em toda a sua radicalidade, o reconhecimento da pequenez toma neste tempo uma especial importância. Meninos mimados não morrem na Cruz. Há que aproveitar a Quaresma para combater a tendência arrogante da nossa natureza ridiculamente orgulhosa, pois não há conversão sem humildade. Sem reconhecer de modo profundo que não me basto a mim mesmo, que força é que vai encher os meus passos? Sem a consciência da minha insuficiência, o cristianismo arrisca-se a tornar um assunto de cabeceira.
E os Evangelhos mostram muito claramente que Jesus não me convida a ser um burguês com trejeitos morais. A sua linguagem, aquela através da qual venceu a morte na Cruz, é a servidão. Cada um de nós é chamado a submeter-se a uma vontade que não a sua. Para começar a responder a esse apelo difícil há que reconhecer, em contemplação séria, a nossa verdadeira posição perante o mistério das coisas. E em seguida perguntar, como se pela primeira vez: na minha vida particular, de que modo é que quero assumir a condição de servo?"
1 comentário:
Golaço, mesmo!
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