14 maio 2024

Da Nobreza.

"Aquele que constrói a sua casa e arroteia e arredonda umas terras, e encabeça um casal e um pequeno núcleo de bens para os filhos; e sabe governar as suas terras e os seus subordinados, ligados como ele ao amor da terra, à sua cultura carinhosa, às suas vicissitudes, e com eles reparte, cristã e familiarmente, o mesmo pão, e subiu ao mando por capilaridade social, e vive com eles em quintãs e casas pardas, sem veludos ou nylons, procurando na lei de Deus o bem-estar material e moral dos seus subordinados: 

esse é da nobreza."


Conde d'Aurora, 1946

30 abril 2024

Natal 2023

escrito a 17/12/23

Hoje na missa o presépio era nos escombros de um prédio com um cenário de prédios destruídos e arame farpado e colunas de fumo e um pano camuflado. São José segurava um cajado a esticar outro oleado a fazer de tenda.

Não tinha mensagem política. Era só a constatação de que este ano, outra vez, Jesus nasce onde sempre nasce primeiro... no último lugar mais desolado, no coração mais desesperado, na alma mais penada que ninguém quer ver - e não só em sítios de guerra.

O mundo está em guerra sempre. Arrisco que desde 1914 nunca mais parou de "estar muito em guerra". A Ucrânia e a faixa de gaza desta vez explodem nos nossos ecrãns. Mas é chão já conhecido do menino Jesus. Que possamos nós rogar a paz com mais força. Que os invasores cessem, que os terroristas se convertam. Que os inocentes sejam salvos. Que o bom Deus receba as vítimas nos seus braços. Que os agressores se arrependam.

Fiquei a pensar como a beleza persiste. A beleza é ao mesmo tempo frágil e intrépida. Mais forte que o titânio e mais desvanecida que a areia solta nas mãos. A beleza persiste sempre que deixamos um cantinho, por mais pequeno, para o Presépio. E aí, depois, está tudo bem porque Ele nasceu... ó doce e caloroso consolo... ó noite silenciosa que brada aos tempos "Tu és o meu Filho muito amado: em Ti pus todo o Meu enlevo".

Está tudo bem. Podemos morrer ou ir andando, padecer as cruzes, ir chorando. Mas moramos no colo d'Aquele que atravessa as chamas e nos diz: Nada temas. Coragem. Eu vim para que a Tua alegria seja completa.

29 janeiro 2021

Retrocesso.

 Há quase 900 anos que somos. Essa teimosia de sermos, mais ou menos atrapalhadamente, é o que nos tem aguentado. O sentido comunitário, o bom-senso das relações familiares, a paz da mesa partilhada, todas essas imagens, foram sendo antídotos informais, tecidos nas culturas dos lugares, para as vanguardas mais ou menos cínicas, mais ou menos pessimistas. 

Pela primeira vez na nossa história, pode-se deixar de ser. Estranho amanhã glorioso esse dos 7 malditos.

Tempos estranhos estes.

05 dezembro 2018

Prateleira de Novembro.


Novembro pode ser mês de entretanto. Entre o verão e o Natal, por exemplo. E os dias de Novembro até podem ser dias de entretanto em que vamos entretidos. Só que Novembro é mês de reacção - e de sapatos postos. Explico.
A 5, em Londres, quando quiseram travar um tirano com uma tirania - amor, com amor se paga. A 25, em Lisboa, quando travaram um tirano com democracia - amor, com amor se paga.
Em todos os dias, das vidas de todos, dar ou largar a mão, para ter mão.
Em Londres não explodiu o parlamento. Em Lisboa não implodiu um país. Nos nossos lugares uma decisão reagiu. Em todos eles, em nome do que importa, em nome de sapatos postos.
"Quando deixas os teus sapatos ao pé dos meus, não sei se estou a construir-te um futuro ou a curar-me um passado, mas sei que esta história não acabou".


Amor, com Amor se paga.

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30 outubro 2018

Prateleira de Outubro.


Outubro é mês de Movimentos.
A 5, o da nossa fundação que sete séculos depois, ao dia, recomeçou outra vez, deixando para trás um sangue que não se rompeu do primeiro Afonso ao último Manuel. Mudam as regras, continua a gente.
 A 13, o da romaria ao lugar que era lado nenhum, por causa de três crianças que eram coisa nenhuma, à espera da senhora do céu que era todas as coisas.
A 18, o de uma aliança numa capela perdida na floresta de um vale perdido, entre os montes perdidos de um lugar que não aparecia no mundo.
A 24 no lugar de são pedro do inverno, coração do império de todas as rússias, explode o do combate entre duas massas totais, e o Homem feito massa na primeira, sucumbiu de novo na segunda - regras totais não toleram pessoas.

Outubro é mês de movimentos transcendentes – na História e na alma.

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01 outubro 2018

Prateleira de Setembro.


Setembro é um mês feio. Lamento. É mês de vindimas, cantigas e lagares, mas eu não moro nesse paraíso. Vivo nos prédios e no trânsito. Há quem vibre com a agitação dos recomeços e das pastas e dos estojos. Eu suplico.
Pior do que as horas que duram menos é dar de caras com filhos que já fazem picotado, sem ninguém me ter pedido autorização - deixará o leitor acidental passar a nota mais íntima mas não será certamente indiferente ao escandaloso catarro da formiga. Eu lembro-me de fazer picotado! É coisa séria. 
Setembro tem um ar ameno, mas é de extremos - a 1 o da guerra que veio depois da que ia acabar com todas, a 11 o do terror impossível, a 20 o do cisma romano, em todo o mês o ciclone bolivariano. Setembro não é um mês para fracos.

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26 setembro 2018

Como tinha anunciado pela boca dos profetas.

“O Senhor mostrou o poder do Seu amor, como tinha anunciado pela boca dos profetas.”


O Senhor mostrou.
Deus Nosso Senhor, o Todo-Poderoso, o eterno Senhor de todas as coisas, o Criador do Universo, escolhe mostrar-se. E escolhe mostrar-se a mim, pobre mendigo do altar.
Ele é outra coisa, está noutro plano, mas entra no meu, mete-se nas minhas coisas.
Que maravilha. Que impossibilidade. Que demora interior…
Podíamos ficar por aqui e ficávamos bem.

O poder do Seu amor.
Não é a grandeza da Sua glória, ou a Sua omnipotência ou o senhorio de todo o universo. É o seu Amor que escolhe mostrar. É o seu Amor que está uma e outra vez à minha espera. É o seu Amor que me salva e acalma. Que me sustém e pacifica. É o seu colo que me cura quando caio. É a sua verdade que me liberta. É a sua paciência que espera por mim e a sua caridade que me educa. É a sua graça que me alimenta e faz o meu cálice transbordar.

Como tinha anunciado.
Não somos marionetas nas mãos de um mestre de caprichos. A vida não é um jogo de cabra-cega.
Não é automática nem é sempre fácil mas, não tem de ser às cegas. O bom Deus não está entretido a ver-nos correr à toa.
Ele escolhe profetas e faz-se anunciar. Dá-nos pistas e fortaleza. Anima a nossa esperança e usa a nossa própria vida para nos dar o mapa. Não vamos sozinhos.

Se vivêssemos com isto realmente presente, andaríamos de olhar sempre ligeiramente levantado aos céus e sorriso consolado como quando nos bate o primeiro sol da primavera e começamos finalmente a secar os ossos. Tropeçaríamos nas coisas dos homens, é certo. Mas vale mais o sol que uma nódoa negra.

No fim, depois de tudo, para lá dos enganos e soberbas, quando finalmente sou capaz de ver, é Ele que vejo e é o Seu abraço que me espera.
Ele espera pelos pródigos. Ele espera por mim.